segunda-feira, fevereiro 25, 2019

A leveza e crueza de Caio Abreu em Pedras de Calcutá

Caio Abreu dá o ar da graça novamente por aqui. E logo no dia que se completa mais um ano de sua morte. Sendo um dos meus escritores brasileiros preferidos, não é de se estranhar que eu traga mais uma resenha de uma obra sua no blog. Pedras de Calcutá é um livro de contos publicado pela Editora Nova Fronteira. Publicado pela primeira vez em 1977, num período em que o Brasil se encontrava em plena ditadura militar e os artistas sofriam com a repressão e censura, Caio ousou escrevendo sobre temas como paranoia, morte, asfixia, impotência. Medo.


Os contos apresentam personagens desestruturados mental e socialmente, alquebrados e incertos do futuro, que acabavam por destruir-se ainda no tempo presente. Caio mescla o lixo com ouro sem delimitar linearmente suas fronteiras. Há indiferença e frieza em seus escritos, mas o leitor sente entre essa aspereza certos tons de romance e esperança. 

Possuidor de uma sensibilidade quase palpável, Caio despenca quando alcança o alto, conduz o leitor entre os extremos, numa espécie de queda vertiginosa. É fazer doer quando há prazer. É sentir-se feliz pelo fato de poder vivenciar esses paradoxos sentimentais. 

Em Pedras de Calcutá há dores latejantes que tomam grandes proporções. O real se mistura ao imaginário, com notas de lirismo em seu decorrer. É nos limites, nas bordas do intolerável que habitam os protagonistas destes contos. Amor, religião. Sabedoria, insanidade. Crueza e leveza. Encanto e dissabor.

E entendemos enfim que é o que nos resta. Viver "entre os meios." Aproveitar os "entre" das coisas. E no fim, sermos gratos pela grandeza de existir, mesmo que mergulhados em dor...


sexta-feira, fevereiro 22, 2019

a poesia de José Luis Peixoto em A criança em ruínas

Ver essa foto no Instagram

A Primeira vez que li José Luís Peixoto senti aquilo que chamam de "amor à primeira lida". Mas foram dois livros que peguei emprestado com um querido amigo, @alberonlemos que me apresentou essa grandiosidade da literatura portuguesa contemporânea. Morreste-me foi minha estréia, mas o primeiro pra chamar de meu é o título A criança em ruínas. E só posso dizer a todos que - na primeira chance que tiverem - LEIAM esse homem. Assim que der, Morreste-me, e todas as obras que ainda não li dele, estarão em meu acervo... A vontade que dá é viajar pra Portugal só pra dizer o quanto o admiro, José Luís. 💜 Você é maravilhoso. . . Quem estiver curioso pra saber mais sobre esse livro, tem resenha dele no blog. Acessem http://www.naliteraturaselvagem.blogspot.com.br . #joséluispeixoto #acriançaemruínas #poemas #livrariaDublinense #Naliteraturaselvagem #novasaquisições #amazon

Uma publicação compartilhada por maria Valéria (@naliteraturaselvagem) em

A criança em ruínas é uma poesia por si mesmo, que possui uma carga de sensibilidade acima do comum. Sendo um dos grandes escritores contemporâneos das terras lusitanas, José Luís Peixoto passeia pela melancolia e saudosismo através de versos puros, inquietantes e que causam comoção. 

A obra é seu primeiro livro de poesia, publicado em 2001. O leitor se sente tocado com os versos líricos, que vão dos primeiros anos de infância e perambulam rumo ao presente; presente este frustrante, que parece ter perdido o encanto dos anos iniciais de uma vida, como uma espécie de mal-sucedido sonhado "projeto" na infância. 

A cada verso, sentimo-nos desmoronar. Os textos descortinam paredes nuas que nebulosamente queríamos esconder. As ruínas no título bem poderiam ser as ruínas dos sonhos que almejamos realizar, e que simbolizam um passado longínquo de paredes ainda erguidas, existentes apenas m memórias distantes, de quando se ainda era feliz e havia esperança no "seguir em frente".

 Quantas vezes apostaste a tua vida?
apostei a minha vida mil vezes.
perdeste tudo?
sim, perdi sempre tudo.


 

terça-feira, fevereiro 19, 2019

[Poemas], de Wisława Szymborska

Wisława Szymborska foi vencedora do Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1996. A produção poética dessa escritora polonesa não é gigantesca, mas possui um vigor acessível em seus versos. Possui um ar de poesia fácil, porém bem construída. [Poemas] foi meu contato inicial com Szymborska e ouso dizer que seus textos não se repetem em essência. Cada poema soa como obra única, suficiente em si mesma.

Bato à porta da pedra.
- Sou eu. Me deixa entrar.
- Não tenho porta - Diz a pedra.

Nessa edição bilíngue publicada pela Companhia das Letras, encontramos versos que fazem alusão aos anos de guerra, ao Holocausto e ao domínio comunista no período da Guerra Fria. Há uma reflexão mordaz sobre o indivíduo moldado pela barbárie perpetrada nas ações desumanas cometidas no período de guerra. Sua poética suscita questionamentos, provoca estranhamento ao leitor sobre os ângulos de mundo já conhecidos, 
Ela desestrutura o lugar-comum. Há um quê de feminino nas vozes que compõem os poemas. A perspectiva de boa parte deles é pela visão de uma personagem mulher. A poeta retrata tons sombrios mesclados à ironia e humor. O eu lírico se projeta como um distante observador. 

Faz-se necessário conhecer o contexto de sua época e da formação da Polônia a fim de compreender melhor os temas abordados por Szymborska. OS versos que compõem este livro estão em ordem cronológica de publicação. Destaque para Vietnã, Torturas, A mulher de Lot, O terrorista, Ele observa e Primeira foto de Hitler. 

Em suma, é uma ótima recomendação para aqueles que buscam densidade e lirismo na poética do Leste Europeu.