quinta-feira, janeiro 23, 2020

A recriação do paraíso - Judeus e Cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos 16 e 17

 Os judeus estão presentes na Cultura e Sociedade Pernambucanas desde o período colonial. Conhecidos como cristãos-novos, por terem se convertido ao Cristianismo, foram na verdade forçados a isso devido à perseguição aos judeus há muito existente. Entre os judeus mais 'famosos' que pairaram em terras pernambucanas, temos Branca Dias e Diogo Fernandes. José Luiz Mota Menezes discorre sobre eles e tantos outros no livro A recriação do paraíso - Judeus e cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos 16 e 17, uma publicação da CEPE Editora



Na História urbana, nos deparamos com as origens de povoados, vilarejos, monumentos históricos, instituições religiosas e povoamento, levando em conta não só a parte física-arquitetônica, mas também aspectos sócio-antropológicos da Urbanidade. 

As cidades de Recife e Olinda tem um histórico interessante com relação ao povoamento da etnia judaica, bem como de seus costumes e tradições, enraizados no coração das capitais [antiga e atual] pernambucanas. 

A obra em questão traz um apanhado de dados históricos que remontam ao período do 'descobrimento', perpassando pela colonização e à produção açucareira enquanto capitania hereditária, além da contribuição judaica na formação da nova sociedade que aqui se estabeleceu.

Ricamente ilustrada com imagens de documentação, pinturas cartográficas e paisagens urbanas, A recriação do paraíso tem como função desvelar ao leitor fatos importantes que em muito contribuíram para a formação geográfica e social de Olinda e Recife durante os períodos de 1600 e 1700. 

Os "batizados em pé", como denominados pelo historiador E. Lipiner¹, se encontraram presos numa condição religiosa que lhes era diferente de seus costumes usuais na doutrina judaica. "Os batizar à força era mais do que isto. Constituía um desrespeito à condição humana. em nome de um Deus cometia-se o maior dos crimes e contra a consciência!"

Branca Dias é considerada um símbolo da presença judaica em terras pernambucanas. Juntamente com seu marido Diogo Fernandes, se estabeleceram na capitania em 1542. Além deles, vários outros eram atuantes de sua fé às escondidas, embora se soubesse de suas práticas judaicas. Assistiam os rituais litúrgicos católicos para disfarçar mas acabaram denunciados, devido à uma sinagoga clandestina, instalada em sua propriedade rural, onde se situa o Engenho Camaragibe

Engenho Camaragibe, às margens do lago da Prata


Bento Teixeira foi outro judeu denunciado por suas práticas religiosas, chegando a sofrer interrogação por parte do Tribunal da Inquisição em 1594. Além dele, Manoel Dias e João Nunes Correia foram delatados. 



Os cenários urbanos possuíam uma boa administração donatária, com boa produtividade açucareira. Convivendo nesses espaços, cristãos e judeus conversos. José Luiz Mota reconstitui estes cenários à partir da pesquisa em documentação de época, cartografias e outras fontes que sobreviveram até os dias atuais. 

Com a chega dos holandeses na província, os judeus foram agraciados por um período com liberdade religiosa que até então não possuíam. Se deslocaram para o Recife em grande número. 

Nessa povoação, construíram uma rua, que logo ficou conhecida como Rua dos Judeus. Nela instalaram uma sinagoga, a Kahal Zur Israel (Rochedo de Israel), e um mercado para a venda de escravos comprados nos navios pelos então comerciantes de origem judaica e moradores daquela rua.

 Com a retirada do poder holandês da capitania, os judeus voltaram a sofrer perseguição. 



O número de judeus e de cristãos-novos que retornavam à fé dos seus antepassados era então muito grande. As práticas judaicas na Rua dos Judeus chamavam a atenção pelo fervor e animação, a ponto de sofrer censura dos Calvinistas. Nessa mesma época um enorme cemitério foi construído no Recife pelos judeus.

A sinagoga ainda existe, bem como a Rua dos judeus, onde se localiza, sendo um dos grandes cartões-postais da capital de Pernambuco. Sua estrutura passou por restaurações, além das ampliações verticais que outras estruturas da rua sofreram. 

A maioria dos judeus que hoje mora no Recife e demais partes de Pernambuco é de origem ashkenazi. Vieram nos últimos anos do século 19 e, em sua maior parte, na primeira metade dos 20. Residiram no Recife, em sua maioria no bairro da Boa Vista, chegando o lugar escolhido por eles a configurar uma judiaria.  


A recriação do Paraíso conta ainda com uma Bibliografia, que pode ser consultada em suas páginas finais. Trata-se, portanto, de uma obra riquíssima e que certamente vai agradar aos leitores curiosos com a História pernambucana, dos judeus no Brasil e amantes de Arquitetura/Urbanidade. 



 

sábado, janeiro 11, 2020

Romanceiro Cigano - Federico Garcia Lorca

 A obra Romanceiro cigano foi publicada pela primeira vez em 1928. O livro é composto de poemas que abordam diversos aspectos da cultura cigana da região de Andaluzia, terra natal do poeta ibérico Federico Garcia Lorca.


Romanceiro foi publicado aqui no Brasil pela Hedra Editora, e consta de 18 poemas, sendo considerada a obra-prima de Lorca. Os poemas possuem algumas distinções em sua métrica - alguns são mais narrativos, outros de composição lírica - muito comuns nos séculos XVI e XVII, mas em ambos os formatos apresentam a figura do cigano inserido em elementos de suas tradições, além de fazer alusões a natureza, figuras da condição gitana, unidas por um forte simbolismo.


Amor, Destino, Tragédia, o mítico e folclórico estão presentes compondo os versos de Romanceiro cigano. A Andaluzia descrita/narrada vai além do flamenco já familiar da cultura, mas é carregada de subjetividade, mistério e ocultismo. 


Forças místicas, o feminino em seu elemento sombrio, anjos, um tom épico na narrativa trágica e por último, uma sequência de poemas históricos formam sua estrutura - corpo/alma da obra. Os poemas são carregados de simbolismos representando elementos da natureza, como a sedução da Lua, um vento perseguidor e, claro, forças universais humanas elevadas ao extremo, tais como a possessão, a paixão obsessiva, o primitivismo em sua mais pura essência. 


No lirismo dos poemas que tem ênfase na condição feminina uma cigana morre à espera de seu grande amor; O proibido/luxúria povoa os pensamentos de uma casta freira encarcerada - desejo de liberdade, fé que condiciona, aprisiona. Resignação pelas sombras em frestas. Em paradoxo, uma mulher infiel que escolhe a liberdade ao invés do claustro social. 


Os anjos são representados pelos poemas que têm como título nomes angelicais, como San Miguel, San Rafael, San Gabriel e que simbolizam cada um, uma cidade da região: Granada, Sevilha e Córdoba. Metafóricos e de difícil compreensão ou significado. Nos relatos pseudo-históricos, temos três poemas encerrando o livro, apresentando personagens marginalizados e perseguidos, que numa leitura atenta mostram-se semelhantes a outros já apresentados nos poemas iniciais de Romanceiro. 


A tradução foi realizada por Fábio Aristimunho Vargas, responsável pelo compilado de poemas ibéricos que formam os livros de Poesia Galega, espanhola, catalã e basca [apenas este último ainda não foi apresentado aqui no blog]. Trata-se de um trabalho impecável e que faz jus às línguas originais e a riqueza de suas métricas/rítmicas. 


Federico Garcia Lorca foi executado durante a Guerra Civil que acometeu a Espanha na década de 1930, morto por nacionalistas que tomaram o poder. Os ciganos descritos no livro são originários da Índia; povo nômade que se espalhou por diversas partes da Ásia e Europa, em que cada grupo carrega tradições específicas de seu meio. No caso dos ciganos espanhóis, há uma possível origem egípcia.

Os seus olhos nas umbrias

se empanam de imensa noite.

Pelas arestas do ar

crepita a aurora salobre.


Sus ojos en las umbrías

se empañan de immensa noche.

En los recodos del aire

cruje la aurora salobre. 


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