Estou dando continuidade à entrevista feita ao autor parceiro Claudio Duffrayer, e que faz parte das postagens Semana Especial [sobe o autor]... Espero que apreciem esta parte da entrevista...
TN – Quais são a vozes, ou inspirações, que ecoam em sua poesia?
“Essa inquietude crucifica meu peito;sem anestésico/ela corta através da carne cancerosa/Essa inquietude tira meu fôlego”
Esse é um trecho da música “This Unrest”,parte do disco “Tinderbox” da banda Siouxsie and the Banshees. Pouquíssimas vezes me senti tão contemplado pelas palavras de alguém. “Tinderbox” é um dos meus discos preferidos da banda, além de “Joinhands”, “A Kiss in the Dreamhouse” e “The
Rapture”.Conheci-os através do show “Nocturne” exibido em algum canal fechado no fim dos anos noventa.Cada disco que eu ouvia,cada letra parecia descrever minha vida não só como ela se encontrava naquela época,mas,de certa forma,como ela sempre fora. Siouxsie Sioux levou-me às lágrimas não só com a música “The Rapture”,mas cantando “Disconnected” com seu projeto
paralelo,The Creatures. Perguntei-me: “Como alguém que nunca vi pode saber tanto a meu respeito?”
Só o Depeche Mode, que conheci antes com seus discos “ULTRA”(uma obra prima),“Music for the Masses”, “Violator” e “Songs of Faith and Devotion” teve o mesmo efeito,ou quase- sou tentado a pender para o lado dos Banshees por alguma razão.Também conheci Bauhaus a partir daí(eu acabei adquirindo a coletânea “Crackle” e a ouvia várias e várias vezes) e The Cure. Pet Shop Boys
eu já conhecia desde o disco “Very”, que adquiri logo quando foi lançado(considero a coletânea “Alternative” muito melhor,curiosamente.) Esses artistas não só me ensinaram a escrever, mas me ajudaram a sobreviver. Eu recorria a cada um deles nas minhas piores horas.O débito que tenho para com essas pessoas é,de fato,impagável.Enquanto eu os ouvia,especialmente o pós-punk(Joy Division eu viria a conhecer um pouco mais tarde,pesquisando sobre as raízes do Punk em uma época em que não havia internet)redescobria a nossa geração de 22(estava começando a escrever meus próprios poemas)e conhecia a Geração de 45(com a qual me identifiquei muito mais).
Que fique claro uma coisa:eu tive muita sorte por ter em casa Garcia Lorca e não só seu “Poeta em Nova York” mas também seu “Romancero Gitano” ,além das obras completas de João Cabral de Melo Neto(ou não tão completas- a edição que tínhamos era de 69/70,se não me engano)e a primeira
edição do “Poema Sujo” de Ferreira Gullar. Fazer essas leituras, bem como o “Paranoia” de Roberto Piva e “Faz Escuro mas eu Canto” ,de Thiago de Mello , mudou tudo.Não o que eu achava
que sabia,mas o que eu sentia em relação à literatura.Ela era ainda mais vasta e rica do que eu jamais sonhara. É o que os grandes nomes fazem conosco. Mudam nossas vidas.
TN – Se você pudesse escolher um leitor (a) especial e dedicar uma das poesias do livro, quem seria, qual a poesia e o motivo de sua escolha?
A leitora seria Mayara Ribeiro Guimarães,e o poema seria “A Esfinge”.Tivemos um debate longo sobre ele.E não foi à toa.Sensível e empática como é,Guimarães percebeu no poema uma ruptura com o que eu escrevera até então.Minha poesia estava mudando...e nenhum de nós sabia como e que direção exatamente ela tomaria.Bem,eu tinha um plano e algumas estratégias,mas ela,à sua própria maneira,alertou-me de que a poesia pode nos surpreender(por mais absurdo que pareça, eu não me dera conta disso até então).
De qualquer forma,a crisálide foi rompida e o livro terminado.Cá estamos...
TN – Se você pudesse ser devorado por uma de suas poesias, qual seria? Motivo?
SOU devorado pela minha poesia. E a devoro de volta. Não se escreve poesia sem entregar-se,e essa entrega precisa ser,forçosa e logicamente,absoluta, em um processo urobórico. Entrega é a palavra adequada.É uma das formas que temos de fazer as pazes com a poesia,com nosso próprio íntimo,em um mundo que exige tudo de nós menos verdadeira criatividade(cobrando obediência cega),adequação a qualquer preço(mesmo que isso signifique abdicar de quem se é). Nós, portadores de uma sensibilidade aguçada.Os tortos.Os esquisitos.Os outros. Artistas. Poetas no sentido formal ou não.Nós,que trazemos conosco a bala no corpo,a lâmina sem cabo,o relógio;as chamas lazarentas.
TN – Qual de suas poesias você dedicaria ao Brasil e por quê?.
“Sorvo”.
A intensidade de nossas emoções é mundialmente conhecida. A intensidade dos brasileiros.Nesse sentido,somos muito parecidos com os irlandeses,por exemplo.E esse poema fala sobre isso.Sobre não lutar contra essa intensidade,ao contrário,abraçá-la como parte de nós,pois ela é parte de nós.Aprendemos a reprimi-la,o que é triste.Evidentemente falo dos brasileiros que não se escondem
atrás de grades em condomínios fechados,pouco se importando com o que se passa fora de seus muros,com suas mentes tacanhas e eurocentristas.Falo dos brasileiros que não tem vergonha de suas raízes e lutam todos os dias.
TN – Quando o leitor diz não gostar de poesia ou poemas, pois não compreende nada, que análise você faz desse relato?
Cabe ao professor,ao invés de impor conceitos abstratos em mentes juvenis,fazer a ponte entre a obra e o leitor.Esse argumento (“não entendi nada”)costuma vir de pessoas mais jovens e desacostumadas a leituras minimamente complexas.Isso vale até hoje.Ponho a culpa na forma como ela (a poesia e a literatura em geral) é ensinada. É preciso que o professor permita que a obra toque o leitor,ao invés de esfriá-la com um conceitualismo empobrecedor.A propósito,não é por acaso que tantos alunos,oriundos das “melhores” e mais tradicionais escolas se perdem na graduação.Formam-se sem a menor ponta de senso crítico.Aprenderam,desde cedo,a não pensar. Somado a isso o bombardeio
de livros destinados a um público que não tem como se defender , pois já teve sua capacidade questionadora esmagada,o desastre é inevitável. Curiosamente, isso nunca me aconteceu. A experiência de não ser entendido, quero dizer. “Por isso é tão bom, você não precisa explicar” disse
uma colega minha sobre meu livro.Uma colega maior de idade.Fiquei muito feliz,sentindo que cumprira minha missão- pois penso que o trabalho de um poeta deve falar por si.É claro,poesia não se entende nem se explica,mas sente-se.É com o coração que lemos.De qualquer forma,volto à Lispector: “Não se preocupe em ‘entender’. Viver ultrapassa qualquer entendimento.” E o que é poesia senão vida?
Então é isso, logo haverão as últimas postagens... Se quiserem acompanhar a Semana Especial desde o início, só clicar
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