segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Seiscentos homens, um recorde e uma rainha do pornô; um Snuff

Snuff é uma obra publicada pela Editora Rocco, do aclamado escritor de Clube da LutaChuck Palahniuk.  A narrativa fala sobre uma atriz pornô que pretende bater um recorde de ter relações sexuais com 600 homens. Dezenas deles, de todos os tipos, se inscrevem para a pontinha' que pode alavancar suas vidas/carreiras - ou não!


A história nos é apresentada pelo ponto de vista de 3 dos candidatos, identificados apenas com os números 72137 e 600, além de Sheila, que seria uma espécie de agente da atriz... O que não sabemos é que um crime está para acontecer perante as câmeras, como um verdadeiro filme snuff...

Através de uma escrita vigorosa e empolgante, Palahniuk desvela para o leitor os bastidores de um filme pornô, com direito a um making off bem vívido, com personagens envolvidos em situações cruas que mostram muito do ser humano e o que ele faz às escondidas, por trás das câmeras. 

Cassie Wright é uma verdadeira rainha da indústria pornô, conhecida por suas atuações em filmes como A apanhadora no campo de sêmenFalão negro em perigo ou Uma gozada de mestre. Notem a genialidade do autor em referenciar filmes e livros conhecidos para dar nome aos filmes pornôs citados ao longo da trama... Há filmes como Punhetas do CaribeO magicu de Oz O sol é para gozos

72 é um jovem que acha ser filho da atriz, e pretende encontrar-se com ela. Na juventude, supostamente ela entrega uma criança concebida nas gravações para adoção. O pai é o ator pornô Branch Bacardi - número 600]. 137 é um ator que em tempos passados, foi passivo em filmes gays... Ele almeja superar traumas de infância e descobrir sua orientação sexual verdadeira. A cada [curto] capítulo, um vai descrevendo o cenário e demais personagens sobre seu próprio ponto de vista, trazendo mais fluidez à narrativa...

Snuff tem uma atmosfera ácida, diálogos e descrições escatológicas e cíticas inteligentes disfarçadas de humor. Dá uma nova luz de conhecimento sobre a indústria pornográfica contemporânea e sabe utilizar elementos que tornam o livro uma obra que não se permite largar após iniciada a leitura. 

Aos que desconhecem o termo snuff, trata-se de um filme que mostra cenas reais de morte. No universo pornô, atores seriam torturados até a morte após o coito. Palahniuk ainda cita algumas figuras famosas em algumas passagens do livro, como Andy WarholDuchamp e a atriz pornô Savannah. Vai de Messalina a Hitler, sem deixar nada fora de contexto. 

Em suma, é uma leitura divertida, para quem aprecia sarcasmo além das entrelinhas... Snuff é puro gozo, risos e deleite...

"Aquela piada antiga: para que uma gata aceite fazer um filme erótico,você oferece a ela um milhão de dólares. Para que um cara aceite, você só faz o convite...Isso não é uma piada, na realidade. Não do tipo que provoca riso."

quarta-feira, fevereiro 22, 2017

Crítica e Tradução, um dos legados importantes deixados por Ana Cristina Cesar...

Ana Cristina César, homenageada ano passado na Feira de Paraty, marcou toda uma geração na poesia brasileira. Era formada em Letras (Português-Literatura) pela PUC do Rio de Janeiro. Desde criança teve contato com as letras, recitando poesias para a mãe, antes mesmo de saber ler ou escrever...

Além da poesia, Ana contribuiu para a literatura através de ensaios, traduções e artigos acadêmicos na área. Seu material foi reunido na obra Crítica e Tradução, publicada ano passado pela Editora Companhia das Letras... 

Com mais de 500 páginas, a obra divide-se em Escritos no Rio, escritos de seu período morando na Inglaterra, cartas e algumas poesias traduzidas por ela... Ana escreveu sobre o cinema brasileiro, o movimento musical político-social dos anos 1960 no Brasil, discorreu sobre o processo de tradução de autores/poetas consagrados e que fazem parte do cânone da literatura mundial. 

"Em Literatura não é documento, resultado do curso de mestrado em Comunicação na UFRJ, concluído em 1979, Ana analisa filmes documentários produzidos no Brasil sobre escritores.Vai desde os projetos político-culturais patrocinados pelo governo do Estado Novo, passando pelos anos de militância da esquerda na década de 1960, até chegar ao governo Geisel. A proposta é encontrar padrões que se repetem e estabelecem, nas palavras dela, uma "determinada visão de literatura."."

A edição ainda conta em seu fim com uma cronologia sobre a vida de Ana C., abreviada tristemente por ela mesma no ano de 1983...

Katherine Mansfield foi inspiração na obra de Ana C., e ela chegou a traduzir seu poema Bliss. Crítica e Tradução trata-se de uma leitura densa, que sorvi aos poucos ao longo de algumas semanas, a fim de compreender a escrita de Ana. Muito de sua obra pessoal é fruto de um espelhamento nas obras que estudou e analisou por anos...

Fez críticas sobre a literatura feminina, trouxe um estudo minucioso do processo de tradução, que vai desde a utilização de palavras para compor os versos respeitando as entonações e musicalidade dos textos à pesquisas realizadas durante seu mestrado na UFRJ. Há também alguns trabalhos póstumos inseridos no livro, como ensaios que foram publicados pela imprensa ente a década de 1970 e 1980. 

A tradução do conto Bliss, de Mansfield, lhe rendeu o título de Master of Arts, na Universidade de Essex, na Inglaterra. Sylvia Plath, Emily Dickinson e Walt Whitman são citados e referenciados ao longo do livro, além de outros autores não menos importantes...

Crítica e Tradução é mais voltado para o público admirador de Cinema, literatura e tradução no Brasil, mas também pode ser apreciado pelo leitor que deseja conhecer mais da figura poética de Ana Cristina Cesar...

terça-feira, fevereiro 21, 2017

O erotismo expurgado de Anaïs Nin...










 "Era a amante seduzida pelo obstáculo e o sonho."










Há 114 anos,  em 21 de Fevereiro de 1903, nascia a escritora francesa Anaïs Nin. Ainda na infância se instalou em Nova York com a família. Passou o resto da vida entre a América e o Velho Mundo. Escreveu ensaios, críticas, traduções. Deixou obras de ficção e diários, nos quais relatou seus amores,  estudos, devaneios e anseios...

Seus diários só foram publicados em 1966. Seu amante Henry Miller - também escritor - notou a riqueza de tais documentos e estimulou Nin a torná-los públicos. Tais documentos permitiram compor um retrato de Paris no período em que foram escritos, principalmente no entre-guerras e da Nova York pós-segunda guerra mundial.

Nin foi precursora de ideias libertárias sobre a mulher e o sexo. Foi amiga de escritores como D. H. Lawrence, Antonin Artaud e Jean Cocteau. Henry e June foi sobre seu romance com Miller. Em 1977, aos 73 anos, falece em Nova York, onde viveu os últimos anos de sua vida...

Certamente uma das autoras que influenciam minha existência, Anaïs Nin foi um tesouro encontrado na primavera de alguns anos atrás... e de lá para cá, venho grifando seus textos, me identificando em seus trechos, me deleitando em sua escrita... Como hoje seria seu aniversário, resolvi falar um pouco [mais] sobre ela...

Separei abaixo algumas quotes da sua rica obra... E espero sinceramente que eu consiga 'tocar' alguém com elas... 


"Angústia era uma mulher sem voz gritando num pesadelo." 

"Ela se sentia prisioneira dos imensos maxilares de seu desejo, sentia-se dissolver, arrancada. Sentia que se entregava à sua fome sombria, com os sentimentos ardendo,subindo de dentro como fumaça de uma massa negra." 

"Lilian era como um mar espumante,encrespando o naufrágio, os destroços de suas dúvidas e medos." 

Trechos do livro Fome de Amor, publicado no Brasil em 1981...



"Naquele lugar, o viver era gradual, orgânico, sem descidas ou subidas vertiginosas."
"Não observou que a quietude dela já era em si uma forma de ausência." 
"O que sobrava era apenas um traje; estava empilhado no chão do quarto dele, vazio dela."
"Era terrivelmente doce ficar nu na presença dela."
Trechos de Uma espiã na casa do Amor, publicado em 1959.



"Ela sabia que ele estava olhando para o sexo dela, sob o pelo muito preto e cerrado, e finalmente abriram os olhos e sorriram um para o outro. Ele estava entrando no estado de êxtase, mas teve tempo de reparar que ela estava em estado de prazer também. Pôde ver a umidade cintilante aparecer na boca do sexo dela." A Fugitiva.

"Ele é extravagante, viril, animal, opulento. É um homem a quem a vida embriaga, pensei. É como eu." Henry e June.

"Às vezes ela podia ouvir os próprios ossos estalando ao erguer as pernas acima dos ombros, podia ouvir a sucção dos beijos, o som de gotas de chuva nos lábios e línguas, a umidade espalhando-se no calor da boca como se estivessem comendo uma fruta que se desmanchava e dissolvia." Delta de Vênus




domingo, fevereiro 19, 2017

#LendoSandman - Morte, O alto preço da Vida


Morte é irmã de Sonho, e além de suas aparições eventuais em Sandman, ela possui duas mini-séries em que aparece como protagonista, e é uma delas que trago hoje a vocês, como parte do Projeto Lendo Sandman... O primeiro arco de histórias conta com três partes e se chama Morte - O alto preço da vida, onde a alegre garota gótica tem direito a viver uma vez a cada cem anos como mortal... Acompanhando as 24 horas dela como 'Didi', enxergamos seu lado humano...

Sexton Furnival é um adolescente que já não sente prazer em viver, é um suicida em potencial. Andando sem rumo, acaba encontrando uma estranha garota pálida que lhe ajuda salvando sua vida?!? [insira a ironia aqui] num lixão da cidade... Após esse encontro, eles vão passar as próximas horas juntos, conhecendo tipos estranhos, vivenciando situações inusitadas e fazendo coisas comuns, como comer um cachorro quente, por exemplo... 

Sexton acha a garota cheia de ideias malucas, e mesmo ela afirmando ser quem é, ele não acredita e acha que é tudo invenção da cabeça dela, mas algo o intriga e ele permanece ao seu lado, enquanto ela 'passeia' pela cidade pra lá e pra cá, ganhando favores de estranhos como se exercesse um forte carisma sobre eles, e  que Sexton não é capaz de entender porquê.

Surge no caminho deles uma mulher chamada Mad Hattie, que diz estar viva a mais de duzentos anos, ela é uma mendiga e quer que a Morte encontre seu coração, há muito perdido. Para isso, ela ameaça Sexton, então a garota resolve ajudá-la em seu pedido... 

Outro personagem que eles encontram pela frente é o Eremita, que pretende aprisionar a garota para que não haja mais morte e a vida seja eterna. Ele chega até a roubar o ankh que ela carrega no pescoço...



Cheio de diálogos mordazes ao longo da história, Morte - o alto preço da vida traz importantes metáforas e questionamentos ao leitor. Viver como uma humana por um curto período de tempo faz com que a Morte aproveite cada segundo como se fosse o último, e isso é o que deveríamos fazer durante nossa existência. Segundo a 'filosofia' de Neil Gaiman, vivemos apenas uma vez [por vez] e devemos enxergar com importância até as coisas mais simples que acontecem em nosso cotidiano...

Revisitar as páginas do universo de Gaiman me faz lembrar de uma pessoa querida que perdi ano passado... Num segundo estávamos conversando e no dia seguinte, ele já havia partido... Não há como premeditar tais situações e depois do ocorrido,  - e parece que só dessa maneira é que damos mais valor às coisas - é que minha percepção sobre nossa brevidade foi aprofundada... Precisamos viver, extrair o deleite num romance a dois, numa viagem, num projeto de trabalho ou faculdade, mas também num abraço que damos aos nos despedir de alguém,  numa mensagem de afeto direcionada a pessoas que você ama ou numa taça de sorvete de coco que você come de madrugada. Esses pequenos prazeres se eternizam em nossas memórias, enquanto elas ainda não falham, mas precisamos valorizá-las para que não se percam em banalidades sem importância ou sentido...

Viver por um curto período faz parte da lição de Morte, para que ela entenda sua própria existência, e o porquê de sua missão, que - apesar de nunca aceita por todos -  é certa. Sempre. Sem exceções. 

É interessante na HQ vermos personagens que fazem parte originalmente da série de seu irmão aparecendo na trama. Os acontecimentos acabam se entrelaçando, embora não seja problema ler O alto preço da vida antes dos arcos de Sandman... Outro fator que nos deixa mais a vontade com a personagem, e até nos faz criar simpatia por ela, é sua aparência que em nada lembra a  figura sombria vestida de capuz portando uma foice, que nos faz temer o momento quando chega a hora. A figura da garota sorridente até nos deixa com um pouco de esperança' de que - na hora em que partirmos -  não será tão doloroso assim... É uma ideia oposta ao que entendemos por 'Morte'. 

Como é realmente,  não tenho pressa em descobrir...  Que demore bastante até eu ter meu encontro com a garota gótica que carrega um ankh no peito...

sexta-feira, fevereiro 17, 2017

Reportagens - Joe Sacco

A resenha que trago hoje é de uma obra lançada pela Quadrinhos na Cia, de um autor/jornalista que eu já deveria ter falado aqui antes... Uma leitura de apenas 200 páginas, mas que foi sorvida como bebida amarga, devido a temática pesada e cruel de suas imagens... 




O quadrinho traz uma introdução do próprio autor falando a respeito do que trata a obra. A primeira história é sobre o julgamento do Dr. Kovacevik, envolvido no genocídio ocorrido com os bósnios durante o conflito na Guerra da Bósnia. O julgamento se deu em Haia. Joe Sacco também explica sobre as dificuldades que encontrou para fazer a publicação no formato de HQ, devido a alguns entrevistados que não queriam se tornar públicos no caso...

Em Hebron, na Cisjordânia, o jornalista foi cobrir os conflitos entre Israel e Palestina na cidade... Toques de recolher são impostos a boa parte dos palestinos que vivem na área controlada pelos judeus... Um verdadeiro cerco contra os árabes... Em meio a escombros, os habitantes lutam para sobreviver... Moradias de refugiados na faixa de Gaza são derrubadas, por supostamente servirem de base para terroristas... Um dos lemas do local é de que você nunca construa nada muito pomposo, pois vai perder tudo mesmo... e nem faça casas com primeiro andar... são os alvos mais visados pelas tropas como sendo esconderijos dos atacantes... 



Em suas visitas ao Cáucaso, Sacco nos permite conhecer um pouco do que acontece nos campos de refugiados chechenos, que vão desde as dificuldades de se conseguir uma barraca para dormir e acomodar a familia, às condições miseráveis  nos campos, locais abandonados servindo de abrigo, em que famílias alquebradas se sujeitam aos perigos de um vazamento de gás a fim de ter onde se instalar... São indivíduos que apenas tentam viver com o que resta de dignidade, depois de terem perdido bens e parentes, os poucos que possuíam... Algumas das cenas retratadas deixam o leitor com uma forte sensação de desolação e impotência...



Em uma viagem feita ao Iraque, Sacco recria por meio do quadrinho o cotidiano de soldados no país, os maus tratos sofridos no processo de treinamento pelas tropas que são enviadas para a região. Os riscos das bombas nas estradas fazem parte das tarefas e perigos do dia a dia desses soldados, que a qualquer momento podem ser atacados e ainda precisam lidar com esses mecanismos mortais em suas rondas. Movidos pela promessa de 'heroísmo'  muitos se alistam... mas a realidade vai bem além do que eles supunham antes de chegarem ali... 

Por outro lado, temos os iraquianos que se colocam ao lado das tropas do ocidente, as humilhações e gritos vindo de oficiais superiores... Poucos se 'aproveitam' após as três semanas de treinamento intenso, segundo um oficial... Não importa o lado escolhido, em ambos você vai sofrer e possivelmente morrer...

Em outra parte de Reportagens, Joe Sacco apresenta aos leitores os problemas que imigrantes ilegais sofrem em suas tentativas de abandonar países e regiões que vivem em guerra. O principal exemplo tomado são dos africanos que tentam cruzar o mar Mediterrâneo a fim de chegar a Europa, bem como os perigos que se submetem e que na maioria das vezes são mal-sucedidos. Muitos acabam aportando em Malta [terra natal do autor], mas acabam presos, deportados... há ainda os riscos do deserto, a fome, atravessadores que abandonam os fugitivos em situações calamitosas...

Em tempos de intolerância com imigrantes fugindo em vários pontos do mundo, e figuras políticas autoritárias que destilam ódio, inclusive aqui no Brasil - não é de se espantar que na Ilha de Malta também haja figuras que se adequam a esse papel de extremista. Na figura de Norman Lowell, que defende uma Europa branca falando latim, Hitler é seu herói e os negros são escória, os eritreus não tem chances quando são pegos pela polícia de fronteira. 



A intolerância sofrida por eles pode ser comparada às minorias religiosas de nosso país que lutam por seus direitos contra uma bancada evangélica fundamentalista, ou aos homossexuais que são espancados por ignorantes em redes sociais ou becos e metrôs de cidades como São Paulo, ou como imigrantes senegaleses que são queimados vivos em estados onde ocorre uma forte propaganda racista...[friso que não são todos os habitantes que possuem tal pensamento, mas há que se concordar que no sul do Brasil existe uma parcela significativa de pessoas que destilam tal discriminação e violência], entre outras infâmias que andam acontecendo em nosso país, devido a uma onda crescente de intolerância e propagação de ódio, inflamada em discursos por parte de nazifascistas disfarçados de cidadãos de bem.

Norman Lowell seria o Donald Trump ou o Bolsonaro maltês, que persegue e incute na população maltesa o ódio mal-disfarçado pelos imigrantes africanos, que fogem da guerra em seu continente e que chegam em Malta por infeliz acaso do destino... Tratados como animais, são explorados pelos comerciantes, que não pagam valores justos por seus serviços, e ainda precisam suar muito para conseguir uma refeição ao dia... São inúmeras as dificuldades para se sustentar, vivendo de bicos e esperando o governo dar uma solução digna para eles...



Encerrando a obra, Joe Sacco relata os dias que passou em Kushinagar, na Índia, onde a pobreza é tanta que os dalits escavam buracos de ratos para lhes roubar os grãos, para ter com o que se alimentar...Os musahars, casta considerada ainda mais inferior que os dalit, sofrem com a fome e a corrupção dos líderes de aldeia, que tiram vantagem dos cartões de racionamento distribuídos aos pobres para favorecer a si mesmos... O jornalista não se aprofunda muito nas entrevistas e depoimentos devido a possíveis represálias que pode vir a sofrer por parte destes líderes, etambém seus entrevistados...

Reportagens não é o primeiro quadrinho de Joe Sacco que leio. Mas é o primeiro que trago ao blog, graças a parceria com a Editora Companhia das Letras, que publicou ano passado essa obra crua e sem rodeios, que serve como um relato de guerras e nos leva a refletir em vários aspectos, e acima de tudo - ainda ser gratos por não estarmos [ainda] nas mesmas condições que os indivíduos nela retratados. Que sirva como uma espécie de lição sobre como lidamos com minorias, refugiados, com a pobreza que nos cerca e que nos desperte empatia,  já que não nos resta muito além disso que possa ajudar de fato essas populações em estado de calamidade... Se sentir mal ao ler Reportagens é até um bom sinal: mostra que ainda não perdemos a dignidade que cabe aos seres humanos... 

quarta-feira, fevereiro 15, 2017

A obra incômoda e honesta de Burroughs - Queer

"A sodomia é tão antiga quanto a espécie humana."


Escrito em 1952, Queer só pôde ser publicado na década de 1980, devido à temática homossexual que o livro aborda. Escrito por um dos integrantes da tríade beat, William S. Burroughs, o romance fala sobre William Lee e sua paixão mal correspondida por Eugene Allerton. Juntos, eles viajam para a América latina em busca da ayahuasca, substância que - supostamente - pode trazer efeitos como controle do cérebro e de pensamentos... 

William Lee é o alter ego do autor, e além de lidar com sua abstinência com as drogas, o protagonista de Junky e Almoço nu ainda precisa lidar com a indiferença de Eugene, e isso o magoa bastante... O protagonista carrega a trama com seus monólogos doloridos numa escrita visceral já conhecida pelos fãs de Burroughs.

“O desejo fazia doer sua respiração…”

O amor não correspondido é o plano principal da trama descrita em Queer. As drogas, viagens e afins são complementos que tornam a leitura mais pungente, marginal e crua. O amor descrito aqui é obsessivo, sofrido-dolorido. A base de choro, olheiras e gozo... A indiferença de Eugene atormenta Lee, que além disso precisa se abster de drogas, usando o álcool como paliativo... Mas Lee não se dá conta que a pior abstinência pela qual passa é a da atenção de seu parceiro... 

"Levantou e saiu. Caminhava devagar. Várias vezes parou, apoiando-se em alguma árvore e olhando para o chão, como se o estômago doesse. Já no apartamento, tirou o casaco e o sapato e sentou na cama. A garganta começou a doer, os olhos a lacrimejar e ele desabou atravessado na cama, soluçando convulsivamente. Abraçou os joelhos e cobriu o rosto com as mãos, os punhos cerrados com força. Tinha quase amanhecido quando Lee virou de barriga pra cima e se estendeu na cama. OS soluços pararam e seu rosto relaxou à primeira luz da manhã."

Uma característica interessante que dá mais 'charme' à trama é sua ambientação na América Latina. O cenário exótico, que remete a poeira, aventura e calor são elementos atrativos na busca pelo ardor e pela droga ayahuasca... 

A tríade escrita por Burroughs tem em Queer a ponte que liga as outras duas obras, completando sua fase inicial na literatura experimental. Enquanto em Junky vemos uma relação amorosa de William Lee com a droga, em Queer há um processo de separação [ou tentativa de] com a mesma, além do romance com Eugene...

Publicado pela primeira vez em novembro de 1985, Queer é um dos mais novos lançamentos da Editora Companhia das Letras, que já trouxe Almoço Nu em 2016 e Junky pelo selo Má Companhia em 2013. Com tradução de Christian Schwartz, é uma  excelente obra para se ter na estante. Queer é incômodo, genial e tem um quê de autobiográfico. Pura essência beat...

segunda-feira, fevereiro 13, 2017

O amor é uma tragada forte e sem filtro: em poesias



Recebi de cortesia do autor Daberli de Roma seu romance publicado pela Chiado Editora, intitulado O amor é uma tragada forte e sem filtro: em poemas. Confesso que fui logo atraída por esse título peculiar e capa com ares de noir existencialista, e logo adentrei em sua breve - porém reflexiva - leitura...

Com capítulos curtos, os poemas são divididos de acordo com as transições da vida do poeta, que vão da insana adolescência regada a cigarro e sexo a devaneios surgidos em madrugadas melancólicas. Tem certo ar crítico, apesar de soar despretensioso ao longo de suas pouco mais de 60 páginas...

Traz ao leitor alguns trechos memoráveis e dignos de grifos e certo ar 'sujo'  na maneira como foram cuspidos nas páginas... Esse tom cru me agradou bastante, e  soava como uma conversa de fim de noite com um desconhecido misterioso, blasè e interessante...

"E na noite tão barulhenta
O poeta era o único morto.
Seus pensamentos eram calmos e desordenados
como a própria chuva que o fazia refletir."


"Essa semana
Encostei meu corpo nu em outro
Ao som do silêncio."

Daberli de Roma, ou 'Liberdade Amor' escreve ao underground, ao jovem que traz pensamentos que latejam incessantemente e precisam de alguma válvula de escape para se fazer compreender. Tem um quê de erótico, luxurioso e ao mesmo tempo evanescente...

"Sou o que sente peito queimar
Goela presa de mal dizeres."

"Me masturbei a cada lágrima
Virei um copo a cada angústia
Fodi a cada remorso.
Mas acima de tudo...
Oh, voei, oh, voei
Voei a cidade toda, oh, voei
Casaco velho, surrado
Oh, voei."

O amor é uma tragada forte dura o tempo útil de  um cigarro aceso, enquanto durar a fumaça, é sobre a liberdade que traz o pseudônimo do autor... É gozo, afronta, solidão, amor...

"Feliz o ânus dilatado, gozado, cuspido e encaralhado fortemente."

domingo, fevereiro 12, 2017

Envios e Recebidos [Janeiro/2017]

Olá, pessoas! Preparados para saber o que recebi durante todo o mês de janeiro? Só adianto que não foi pouca coisa... Para meu deleite, tive ótimas leituras ao longo do mês, sinal de que comecei o ano muito bem...

Comprei três quadrinhos em janeiro: uma adaptação de As mil e uma Noites, o volume 2 de Sandman: Prelúdio e FullMetal Alchemist #6


De aniversário, recebi um mês depois o livro O desaparecimento do dote, do meu amigo Gabriel e os livros Circo de Pulgas e Cão, da minha amiga Lilian, além de uma esponja de banho de Elefante


Do meu amigo Antonio recebi uma revista de RPG, Dragão Brasil, Hq's de Before Watchmen e 1602 [4 edições] e o livro Marvel Comics a História Secreta. Clivia me enviou cartinha com alguns mimos e Marília me deu A convidada, de Simone de Bouvoir. Só li as hq's até agora, mas pretendo ir encaixando as outras coisas entre leituras de parceria...



Não resisti e comprei algumas coisas na banca de revistas aqui da cidade: um Almanaque Wicca 2017 e um DVD de Pink Floyd, além de um livro sobre Rock 70 + CD...


Fiz duas trocas no sebo em janeiro. Trouxe a seguinte lista de lá:

O apanhador de sonhos - Stephen King
A torre mal-assombrada - Susannah Leigh
Agruras da lata d'água - Jessier Quirino
O adeus à  mulher selvagem - Henri Coulanges
Supernatural Nunca Mais - Keith R. A. deCandido
Supernatural - O livro dos monstros, espíritos, demônios e ghols - Alex Irvine

Os títulos em negrito foram lidos, mas não achei relevante resenhar, ao  menos por enquanto... Em breve, quero conferir o livro dos monstros de Supernatural, série da qual sou apaixonada... 



Comprei alguns títulos a um amigo meu que estava se desfazendo deles... Eis a lista:

Cleo e Daniel - Roberto Freire
13 dos melhores contos de Vampiros - org. Flávio Moreira da Costa
Contos norte-americanos - org. Vinicius de Moraes.

Ansiosa pra ler os três que não foram lidos...ainda mais os de contos... Os outros dois eu já tinha lido emprestado, só agora convenci meu amigo a me vendê-los...Para as resenhas, só clicar nos títulos...


Agora vamos aos livros de parceria/cortesia... Para resenhar no Blog Poesia na Alma, recebi Snuff, de Chuck Palahniuk e O amor é uma tragada forte e sem filtro: em poesias, de Daberli de Roma. Ainda recebi para resenhar no Dose literária o título Cujo, de Stephen King... Os dois primeiros já tem resenha programada por aqui, aguardem um pouquinho...


Encerrando o post com chave de ouro, eis os títulos que recebi em parceria com a Companhia das Letras, lançamentos referentes aos meses de Agosto, novembro e janeiro...

Reportagens - Joe Sacco
A odisseia do Cinema Brasileiro - Laurent Desbois 
Queer - William Burroughs

Logo sairão as resenhas por aqui, mas A odisseia só vou poder ler em março...


Como podem perceber, tenho leitura pra pelo menos metade do ano, e isso tudo recebido em apenas um mês... Fiquem de  olho que logo teremos mais postagens sobre o que ganhei/comprei por aqui...

Beijos e até a próxima... ^,~

quarta-feira, fevereiro 08, 2017

#MLV2017 - Clímax, de Chuck Palahniuk



Acabei flopando na Maratona Litrária de Verão, mas consegui ler metade de minha TBR. O último livro lido foi Clímax, de Chuck Palahniuk... Clímax conta a história de uma mulher formada recentemente  em Direito, que trabalha num grande escritório de advocacia em Manhattan. Penny vive num apartamento que divide com duas amigas no bairro do Queens e sua vida amorosa anda às moscas. Até que um belo dia, cruza o caminho de um milionário - C. Linus Maxwell e vê sua vida transformada numa loucura completa após ser convidada para jantar com ele...

O que parecia ser um conto de fadas logo se revela numa experiência em que Penny vira cobaia para o desenvolvimento da linha Beautiful You, que vende produtos sexuais para deleite de suas clientes. Os aparelhos fabricados por essa empresa transformam as mulheres em completas dependentes sexuais, trazendo chaos à ordem social de todo o planeta. Penny precisa desvencilhar-se de Clímax, mesmo correndo sérios riscos de vida, além de abdicar do prazer que ele lhe condicionou para salvar o planeta...

Através de uma narrativa bizarra e humorada, Palahniuk faz uma verdadeira crítica ao consumo, aos ditames da moda e  a misoginia que permeia o  mundo dos negócios e das leis. Aborda a questão do prazer feminino numa espécie de sátira aos 'pornôs para vovós' contidos nos '50 tons de cinza da vida', na figura do 'casal' protagonista, Penny e Maxwell. 

Clímax é inteligente, porém possui um ritmo que não deslancha nas primeiras páginas. No entanto, vale cada minuto utilizado em sua leitura... Mescla elementos como a Ciência, mídia e sexualidade de maneira nunca antes vista, com uma maestria em criar cenas que beiram o surreal e rendem caras de surpresa e incredulidade no leitor que se aventura pela trama... 

Mais que recomendado, indispensável aos fãs e a leitores que buscam histórias hilárias e fora do comum... 


Chuck Palahniuk

segunda-feira, fevereiro 06, 2017

Desafio Literário #DesencalheDosAvulsos

E vamos à lista de leituras que planejo para 2017, na tentativa de concluir os ciclos prometidos em anos anteriores... Espero conseguir metade disso... 



Lista do Desencalhe dos Avulsos:

  1. Anna Karênina - Leon Tolstói [TBR da 'Maçã']
  2. A menina que roubava livros - Marcus Zusac [Livros para ler no Inverno]
  3. 50 crônicas escolhidas - Rubem Braga [Desafio 7 livros em 7 dias]
  4. O livro dos sonhos - Jack Kerouac
  5. O silêncio das montanhas - Khaled Hosseini
  6. Assassin's Creed Revelações (livro 4) - [Desafio de Férias 2015]
  7.  Notas de um velho safado - Charles Bukowski [Vedatona]
  8. Dona flor e seus dois maridos - Jorge Amado
  9. Evil Dead - Bill Warren
  10. 12 anos de escravidão - Solomon Northhup
  11. ... E o vento levou - Margareth Mitchell
  12. O rei Lear - William Shakespeare
  13. Bebel que a cidade comeu - Ignácio de Loyola Brandão


[Clássicos que comprei na Bienal 2011]

  1. Memorial de Aires - Machado de Assis
  2. O ateneu - Raul Pompéia
  3. A Escrava Isaura - Bernardo Guimarães
  4. Casa de Pensão - Aluísio Azevedo
[Releituras]

  1. Quincas Borba - Machado de Assis
  2. A moreninha - Manuel Joaquim de Macedo
  3. Iracema - José de Alencar
  4. On The Road - Jack Kerouac 
  5. Oito minutos dentro de uma fotografia, de Ganymedes José.
  6. Laranja mecânica, de Anthony Burgess.
  7. Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída.
  8. E.T., de William Kotzwinkle.
  9. O diabo, de Tolstói.
  10. Crimes de paixão, de Dalton Trevisan.
  11. O senhor das moscas, de William Golding.
  12. Um estudo em vermelho, de Arthur Conan Doyle.
  13. Amityville - Jay Anson
  14. Tubarão - Peter Benchley
  15. O senhor dos anéis Volume I - J. R.R. Tolkien 
  16. Trainspotting - Irvine Welsh
Contem com esses os livros de parceria, novas aquisições, enfim... A meta é ler metade dessa lista. Qualquer excesso além disso é lucro... 

E vocês, já planejaram as leituras de 2017?
Tem alguns desses títulos que gostariam de ler ou já leram? Me contem nos comentários... 

sexta-feira, fevereiro 03, 2017

O livro dos abraços, minha estreia na escrita de Eduardo Galeano...

A escrita de Eduardo Galeano revolve memórias a fim de nos apresentar uma prosa fictícia embasada nos costumes e  cotidianos da América latina. Em O livro dos abraços ele  nos presenteia com pequenas histórias que carregam em si mesmas a realidade de muitos indivíduos, podendo o leitor - inclusive - vir a se identificar em algumas  passagens... 

Não há cenas fantasiosas ou surreais, embora algumas situações beirem o absurdo. Podem chocar ou enternecer o leitor justamente por sua natureza tão viva, real, palpável. Porém, contadas com toque de mágica na escrita...

A narrativa sutil tem força, desvela muito de quem conta, de quem ouve e de quem vivenciou. 


"Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
— O mundo é isso — revelou — Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo."
O mundo - Eduardo Galeano









Minha estreia com esse autor uruguaio falecido em 2015 me apresentou um novo patamar na literatura. Uma nova forma de enxergar poética onde muitos não veem. Assim como a vida, O livro dos abraços nos impulsiona a sentir várias emoções ao mesmo tempo, intensas e inefáveis. Com uma delicadeza bruta, que nos deixa por um fio, e eterniza o efêmero que nos vai no pensamento...



quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Projetos Literários [mal]sucedidos de 2016...


Volta e meia tenho rompantes de me desafiar a ler  livros há muito encalhados na estante, autores que só ouço falar, elaboro listas de clássicos que preciso ler antes  de ir embora deste plano material, e costumo compartilhá-los aqui no blog com vocês... Porém,  apesar de planeja tudo, acabo não sendo bem-sucedida nessas  empreitadas literárias... Culpa do tempo mal administrado, do ostracismo, do tédio, procrastinação, calor, afazeres cotidianos e afins... ou simplesmente desisto de pegar tal volume pra ler... não bate o 'feeling' de 'a hora de te ler é essa'.

Nesse post vou concluir os ciclos abertos ano passado e abrir uns novos - a  insistência é uma de minhas características... Mas ao contrário de 2016 não vou colocar tanta coisa, ou bolar planos  impossíveis... Vai ser tudo sem pressa, sem cobranças e pressões...vou deixar tudo mais solto e quem sabe assim eu tenha mais êxito...

Os Projetos #12MesesDePoe e #LendoSandman foram bem sucedidos. Estou inclusive participando da segunda edição de ambos... O projeto #UmaBibliotecaDentroDeUmaMaçã foi bem mas no último mês não li Anna Karênina, que tinha sido o título sorteado...

Com relação às maratonas, flopei a de Verão [já comecei 2017 bem sqn] e a de Inverno - porém - fiz leituras demais interessantes,  e que certamente não teriam sido feitas caso eu não me propusesse a ler nas maratonas... De todo não sai tão mal... Minimaratonas ao longo do ano me fizeram ter um desempenho melhor, conclui várias delas... Dos Livros para ler no Inverno li 3/4. Até que fui bem... e Tem resenha de dois deles... 

Com relação aos Desafios organizados por mim para mim mesma não cumpri  100% de nenhum deles. A solução que encontrei será colocar os títulos que ficaram de fora da lista de lidos num desafio para este ano, uma espécie de 'desencalhe dos avulsos'... Logo sai o post com a lista deles...

Então é isso... Aguardem mais projetos insanos mas dessa vez vou torcer pra que deem certo...