"ela levantava, me disse
às 5 da manhã
e escrevia poemas
ou pintava
e quando era tomada por uma vontade de chorar
tinha um banco especial
junto ao rio."
Charles Bukowski mais uma vez derrama sobre minha mente uma torrente de pensamentos angustiantes toda vez que me deparo com seus escritos. Seja em prosa ou em poesia, é inegável o poder de sua escrita sobre minha formação/apreciação literária. Queimando na água, afogando-se na chama carrega - além de um titulo peculiar - o peso das décadas de 1950 a 1970 transmutados em versos amargos, crus e de teor - de certa forma - autobiográficos.
Dividido em quatro partes, Meu coração tomado em suas mãos reúne sua produção poética dos anos 1955 a 1963, Crucifixo em uma mão morta data de 1963 a 1965, Na rua do terror e no caminho da agonia são os versos escritos entre 1965 e 1968 e Queimando na água, afogando-se na chama - que dá nome ao compilado da L&PM Editores - data de 1972 a 1973.
"acho que quando uma mulher manteve suas pernas fechadas
por 35 anos
é tarde demais
tanto para o amor
quanto para a
poesia."
O sexo depravado, desprovido de felicidade, abandonos, bebidas, falta de perspectiva existencial são temas correntes em sua produção literária, e com a poesia não seria diferente. Bukowski, ou o Velho Buk - como é conhecido pelos leitores mais íntimos - sabe tratar das banalidades humanas com certa resignação, como se risse dos próprios dissabores. Parafraseando Caio Abreu "que se há de fazer?"
"e eu me sento no frio
maravilhado com as flores púrpuras
ao longo da cerca
enquanto o resto deles
acumula ouro
e Cadillacs e
amantes,
eu me deixo ocupar por palmas
e por lápides
e pela preciosidade de um sono
como se dentro de um casulo;"
Desde muito cedo Bukowski se sentia alheio aos que circundavam seu cotidiano. Há metáforas em seus escritos que demonstram essa condição de outsider em seu meio, em que seus desejos e devaneios em muito se distanciavam dos daqueles com quem ele precisava conviver. Para ele era como se sentir confortável num canto enquanto os demais brincavam de se fazer aceitos em sociedade, mesmo que de maneira supérflua, valorizando coisas fúteis e sem alma.
"se embebedar
embebedar
até que tudo
se faça em pedaços
mais uma vez
em imensa tristeza."
Queimando na água, afogando-se na chama é uma leitura de entrelinhas. A linguagem áspera se faz presente, mesclada a certo romantismo idealista, discorrendo sobre os anos sombrios do pós-guerra, com notas de melancolia e sarcasmo, já tão conhecidos e apreciados por seus leitores... Buko desvela o lado triste do sonho americano, descortinando o que há de mais vil nas interações humanas, camufladas de 'boas maneiras' e convenções sociais...
"hoje caminhei ao sol pelas ruas
desta cidade: vendo nada, aprendendo nada, sendo
nada, para depois voltar ao meu quarto."
Se identificar com as palavras de Bukowski é desesperança. Daquelas tristes, poéticas, bonitas...