quinta-feira, novembro 30, 2017

A beleza na Antologia poética de Lêdo Ivo...

"Ao amor, como ao banho
deve-se ir nu."

Lêdo Ivo é um dos grandes nomes da poesia alagoana e com seus versos impregnados de melancolia traça uma verdadeira ode ao amor. Em sua Antologia Poética, organizada por Walmir Ayala e publicada pela Editora Nova Fronteira, conhecemos um pouco da incrível obra do homem que foi crítico, poeta, ensaísta e romancista. 


Com inspirações que vão de Rilke a Rimbaud, a densidade dos seus versos se revela com um lirismo que beira o palpável, e que mescla-se de maneira homogênea à uma ordem estrutural metódica, aliando com esmero o harmônico e o caótico. 

"Seja o amor como o tempo - não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente."

Lêdo nasceu em Maceió - capital alagoana - no ano de 1924. Estreou na literatura vinte anos depois, com o livro As imaginações, bastante elogiado pela crítica da época. Eleito para ocupar um lugar na Academia Brasileira de Letras e formado em Direito pela Faculdade Nacional, Lêdo viajou pelo mundo apresentando sua obra, chegando a ganhar prêmios nacionais e tendo parte de suas publicações lançadas e traduzidas em outros países. 

Antologia Poética tem um quê de luz em meio a melancolia sombria de seus poemas. Lêdo é um dos poetas que mais exprimem a essência dos anos 1940 na literatura moderna nacional, e além do amor, sua obra também abarca a contemplação a Deus, a beleza do cotidiano e ao sonho. 


Ler o verso de Ivo me fez entender o verdadeiro sentido da plenitude na poesia. Um encanto.  
A singela beleza do deixar-se eternizar... 


"Muda-se a noite em dia porque existes,
Feminina e total entre os meus braços,
como dois mundos gêmeos num só astro."

quarta-feira, novembro 29, 2017

[HQ] Notas sobre Gaza, de Joe Sacco

Devo ter um instinto masoquista dentro de mim que não desiste de leituras densas de fatos reais causados pelos conflitos de guerra. Acredito que seja minha porção historiadora que sempre se recusa a ignorar nossa situação política a nível global... E apesar de trazer as impressões acerca de uma obra que aborda acontecimentos de décadas atrás, é inegável que tais acontecimentos se refletem até a atualidade nas áreas descritas na história. 


Notas sobre Gaza me chegou em mãos graças a parceria com a Editora Companhia das Letras, pelo selo Quadrinhos na Cia, e trata-se de uma verdadeira pesquisa realizada pelo jornalista maltês Joe Sacco, que possui outros quadrinhos do gênero, cobrindo matérias em várias partes do Globo, mostrando um lado que geralmente é ocultado pela mídia ocidental. 

É uma história que narra acontecimentos ocorridos no ano de 1956 na região de Gaza, através de depoimentos de pessoas que vivenciaram o horror dos massacres contra os árabes por parte dos soldados israelenses. Na verdade, dois acontecimentos históricos são abordados em Notas sobre Gaza: o primeiro deles nas cidades de Khan Younis e Rafah, onde centenas de civis foram assassinados durante uma incursão militar que seria divulgada apenas como uma operação para capturar guerrilheiros palestinos, como de costume. Segundo os dados recolhidos nos relatórios da ONU, a situação saiu de controle porque os soldados se depararam com uma multidão que tentava fugir. A versão do primeiro-ministro israelense é que houve um confronto com rebeldes armados e por isso se deu o embate. Curioso ressaltar que do lado israelense não houve uma baixa sequer...


Até os dias de hoje a população palestina vem sofrendo com perseguições políticas e de cunho religioso e a faixa de Gaza se revela um verdadeiro barril de pólvora devido aos conflitos existentes entre palestinos e judeus. Sacco adentrou no cotidiano de refugiados, pessoas que perderam seus lares e parentes, recolhendo histórias e fazendo uma análise documental, certificando-se que as versões estariam mais próximas possíveis da realidade dos acontecimentos. Por se tratar de oralidade e memória, muitos fatos precisavam ser verificados e depoimentos conferidos com outros para se atestar a veracidade dos dados e informações. 

Com um traço bastante característico já conhecido em suas outras obras, Sacco disponibiliza um panorama dolorido do cotidiano de civis que convivem diariamente com o medo e que sobrevivem a duras penas num ambiente hostil e repleto de dificuldades, onde a população é execrada e minada pela violência das abordagens do exército, pela falta de saneamento básico, alimentação e água, elementos básicos para se viver com dignidade. 

Mesclando passado e futuro, algumas analogias são feitas em cenários que testemunharam chacinas do povo palestino e que atualmente - senão pela memória preservada dos moradores antigos - seriam apenas locais onde hoje as pessoas esperam numa fila qualquer por algum serviço público, sem sequer imaginar que anos antes, tais locais foram palco de morte e humilhação. Algumas cenas retratadas no quadrinho são fortes e perturbadoras, levando um leitor mais sensível a ter o estômago revirado e o sentimento de angústia e indignação saltando pela boca...


Através de uma linguagem simples aliada a desenhos de fácil compreensão, a obra em momento algum pode ser classificada como rasa por causa dessas características. Ao contrário, sua linguagem sem ares acadêmicos possui o que uma matéria de jornal precisa ter para impactar o leitor/espectador: objetividade e foco nos pontos centrais que tecem o panorama da noticia. Fugindo do sensacionalismo, Sacco choca com sua linguagem crua e sem preâmbulos. É o fato puro e simples, sem recortes grotescos ou falsa neutralidade. 

Toques de recolher, homens retirados à força de suas casas na presença de suas famílias, valas cavadas para enterros coletivos, demolições, ataques suicidas de homens-bomba, fome, falta de perspectiva futura e caos são algumas das condições impostas aos palestinos que habitam a Faixa de Gaza. O próprio jornalista se viu em apuros em determinadas situações, que poderiam ter saído de controle e causado sua morte apenas por estar acompanhado dos perseguidos pela munição israelense... 


Ao fim do volume de mais de 400 páginas, temos um apêndice com informações extras e fontes utilizadas pelo autor para dar maior base à sua pesquisa. Pesquisar, desenhar, roteirizar, ambientar e contextualizar esse compilado mostra o esmero de Sacco em nos mostrar um trabalho sério e responsável sobre um capítulo de nossa História que - infelizmente - ainda está longe de receber um ponto final, e que se repete num conflito que dura séculos e traz a desgraça de muitos civis até hoje, asseverando o velho e certeiro ditado de que A História é cíclica, e que se não aprendemos com ela, ela tende a se repetir de maneira trágica...

segunda-feira, novembro 27, 2017

╬† 13 melhores Contos de Vampiros da Literatura universal ╬†

Finalizei a leitura do livro 13 dos melhores contos de Vampiros da Literatura Universal, compilados por Flávio Moreira da Costa e publicado pela Ediouro com um misto de tristeza por ter que me despedir de histórias tão intrincadas e envolventes dos seres que povoam meus sonhos e imaginário desde tempos remotos de minha infância... Desde criança sou fascinada por tais criaturas e os contos escolhidos para compor esse livro carregam a verdadeira essência do que os vampiros são na minha visão... 


De autores contemporâneos como Anne Rice aos mais clássicos como Sheridan Le Fannu e Montague Rhodes James, as histórias encontradas aqui trazem em comum um elemento de narrativa rica em detalhes que assombra o leitor e nos permite visualizar cada nuance de cena, como num filme de horror clássico dos anos 1930. 


O conto que dá abertura ao livro é de um autor anônimo, sabe-se que alemão, que conta a história que serviu de modelo para outros que surgiram depois, inclusive o famoso Dracula, de Bram Stoker. Há um conto do autor na antologia, intitulado O hóspede de Drácula, que na verdade é um capítulo 
pertencente ao original Dracula mas que acabou sendo descartado da edição final, mas que pode ser lido independente da obra máxima do autor...


Temos um conto moderno com ares de ficção científica do autor Richard Matheson, intitulado Eu sou a lenda, que deu origem a versões cinematográficas, sobre um homem que luta para sobreviver em meio ao caos de uma cidade [ou mundo inteiro] repleto de criaturas sedentas de sangue humano, e o personagem provavelmente é o último ser vivo de que se tem notícia... 

Carmilla é um clássico que mereceu uma resenha à parte aqui no blog. Para mais detalhes, clique aqui. Os contos presentes no livro foram escritos em períodos diferentes e em lugares variados, e incrivelmente possuem certa unidade cultural. O macabro aliado ao bizarro e assustador se fazem presentes, numa mescla de passagens horripilantes, sedutoras e convidativas. A sexualidade envolvente, o requinte com ares de decadência e os amores que desafiam as leis mortais são elementos-chave para a construção de tais narrativas. 


Os vampiros nos causam repulsa, fascínio e paixão por seus mistérios e encantos diabólicos. E um verdadeiro banquete de tais sensações perturbadoras nos saúdam neste livro...


quinta-feira, novembro 23, 2017

Uma história de Kafka em versão quadrinhos - Na colônia penal

Na colônia penal em quadrinhos se trata de uma adaptação da novela de mesmo nome escrita por Franz Kafka em 1919. Publicado pelo selo da Companhia das Letras Quadrinhos na Cia - possui roteiro de Sylvain Ricard e é ricamente ilustrado por Maël, ambos franceses. 


O enredo é sobre um viajante que durante uma visita a uma colônia penal se depara com um método de sentença e execução através de uma máquina, que escreve no corpo do condenado a sua sentença, com agulhas lhe perfurando a carne até a sua morte depois de várias horas. Chocado com as descrições de funcionamento da máquina, o protagonista se vê ainda mais abismado com o entusiasmo com que o oficial fala sobre a máquina e a maneira de julgamento e punição do preso.

Possuidora de uma narrativa intensa, apesar de se tratar de um texto adaptado para quadrinhos, podemos perceber nele uma crítica cruel sobre a sociedade do sadismo, da falta de humanidade e regojizo no sofrimento alheio. Logo, o leitor se vê consternado com o preso que, na HQ, aparentemente não cometeu crime que levasse a esse tipo de condenação brutal. 


A Justiça entra em xeque em meio a narrativa. A que ponto o ser Humano é capaz de julgar e sentenciar um outro indivíduo a sofrimentos indizíveis pelo fato de se achar superior a moral e bons costumes? A convicção do oficial em se achar apto a prescrever o julgamento e fazer justiça beira a megalomania. 

O traço de Maël é bastante expressivo e em algumas sequências os diálogos são dispensáveis. O próprio desenho conduz o leitor pela história, deixando-nos perturbados perante a perfidez e frieza humana. Em dado momento, o oficial, buscando a aprovação do visitante da colônia chega a se lastimar pelo fato de não haver platéia para o que ele julga ser um verdadeiro espetáculo de entretenimento: o sofrimento até a morte do marginalizado. O personagem, inclusive, desconhece seu destino nefasto até o momento em que é posto na máquina e ele passa a compreender seu funcionamento. A "Justiça" não lhe deu chances de defesa, conhecimento de causa ou qualquer outro elemento que lhe dê oportunidade de dar a conhecer o seu lado na história.



Em suma, Na colônia penal de Franz Kafka é um verdadeiro mergulho na covardia e indiferença do Homem, e que levanta questionamentos acerca do filosófico, psicológico e social. Uma bela obra-prima, impactante e que certamente vai tirar o leitor de sua zona de conforto...

terça-feira, novembro 21, 2017

Memórias de o que já não será, de Aldyr Garcia Schlee...

"Hoje, levo por todo o meu ser teu resplendor de primavera; e tremo se tua mão toca a fechadura e bendigo a  noite soluçante e escura em que floresceu em minha vida tua boca tão arteira."
Um inexcedível perfume.

Memórias de o que já não será é composto de quinze contos do autor Aldyr Garcia Schlee e mergulhamos em sua narrativa em histórias de acontecimentos que se perderam no tempo, memórias revolvidas de situações que foram e jã não são, cenários que se perdem e que se eternizam no imaginário. 


São histórias ambientadas na fronteira do Brasil com o Uruguai, onde o coloquialismo se faz presente, inserindo o leitor no universo dos amanheceres dos pampas. Minha experiência inicial com Aldyr se deu de maneira leve, como um suspiro...

O autor nasceu em Jaguarão e possui vários livros de contos publicados, além de um romance. Sua obra é publicada tanto em português como em espanhol. Ganhador de alguns prêmios literários, é jornalista com doutorado em Ciências Humanas. 

Memórias é uma obra-ícone de fronteira. Identidade cultural e relações fronteiriças são o ponto forte de sua narrativa. Aldyr é detentor de uma escrita arrojada e bucólica, que remete à memórias guardadas no inconsciente. Ler sua obra é resgatar pormenores esquecidos de infância, de tempos longínquos, que por vezes se confundem com o que foi vivido e com o que gostaria de se ter vivido...

"Ouviram o silêncio interminável de suas próprias vozes mudas gritando por ajuda, clamando por qualquer coisa que lhes permitisse passar adiante, viver outro dia, viver enfim como se vive nos sonhos acordados em que tudo só acontece como se quer e porque se quer que aconteça." 

Memórias de o que já não será é uma publicação da Editora Ardotempo, lançado em 2014. Amanhã, 22 de novembro - é o aniversário do autor...

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segunda-feira, novembro 20, 2017

Para educar crianças feministas - Um manifesto

A resenha da vez é sobre o livro Para educar crianças feministas - Um manifesto, de autoria da aclamada Chimamanda Ngozi Adichie, nigeriana autora do best-seller Americanah e Hibisco Roxo, publicada pela Editora Companhia das Letras.

A obra na verdade, é um texto em formato de carta da própria Chimamanda para uma amiga que havia se tornado mãe de uma menina. O livro traz algumas lições simples de como se educar uma criança numa sociedade machista e misógina, a fim de emponderar as meninas e fazer com que os meninos cresçam respeitando as mulheres. 

Chimamanda coloca em pauta os papéis de gênero, dá exemplos de situações que aconteceram com ela e que poderiam ter sido diferentes, mostra que a mulher precisa acima de tudo amar o que faz a fim de dar exemplo aos seus filhos e que não se deve colocar a educação de uma criança como sendo algo exclusivo da mãe. O pai tem responsabilidade igual, e além do fato de não poder amamentar um bebê, todo o resto deve ser compartilhado, para que não pese a responsabilidade apenas na mulher da família.

É necessário que a mulher deixe de lado o condicionamento a que foi submetida desde a infância de que ela é a única a prover as necessidades dos filhos. Que o pai não tem que ser parabenizado por algo que deveria ser natural ele fazer: criar um filho. Cuidar dos filhos não é território materno, os pais precisam ter uma presença mais ativa na vida da criança. 

Não é porque se é menina que algo não pode ser feito por você. Não existem tarefas que só meninas devem executar. O casamento não é a única coisa que toda mulher almeja na vida. Algumas nem querem. E não tem nada de errado ou esquisito nisso. É importante estimular a criatividade da menina desde cedo para que ela escolha o que deve ser quando tornar-se adulta. 

O livro é uma leitura rápida e fluída, e pode ser lido por qualquer pessoa, jovem, adolescente, homem ou mulher. É interessante estar atento a algumas generalizações que a autora faz com relação a cultura, e questionar tais apontamentos colocados por ela ao longo da leitura. De qualquer forma, trata-se de um texto importante e que traz um debate que deve sempre estar em foco...



sábado, novembro 18, 2017

Como nasceu a alegria, por Rubem Alves

Em algum momento eu já falei nesse blog o quanto a escrita de Rubem Alves me enternece. Conheci sua obra através de leituras voltadas para o público infantil mas que servem facilmente para deixar os adultos refletindo, e não poderia ser diferente no livro Como nasceu a alegria.

As pessoas, em sua maioria, costumam evitar determinados assuntos com crianças, a fim de lhes poupar dissabores tão cedo. Mas isso não significa que as crianças não sintam medos profundos, confusos e sem nexo. Os adultos acham que falar apenas no lado bom e feliz da vida resolve alguma coisa. Eu penso que não. 

Nas curtas estórias de Rubem Alves, a exemplo desse título, o autor dá símbolos para que os pequenos falem sobre seus medos. Discorram sobre eles, aprendam com eles para só assim conseguir enfrentá-los, ou em alguns casos, suportá-los quando inevitáveis. 

Uma flor com uma pétala cortada por um espinho. Crescendo num jardim onde só haviam flores perfeitas e intactas. Seguindo a ordem natural das coisas, a natureza conspira e trabalha para que nada desequilibre o ambiente. Os anjos e animais têm suas tarefas diárias a fim de manter a harmonia nos jardins. 


Flores vaidosas, cheias de si, sem cortes ou arranhões para lhes tirar a bela aparência. Todas acreditavam ser a mais perfeita entre as outras. A vaidade as impedia de ouvir a opinião de suas companheiras. Belas mas vazias. A flor de pétala cortada não se incomodava com sua pequena 'imperfeição.' Vivia feliz e alheia àquele detalhe, pois não lhe doía. Mas as outras flores passaram a vê-la de forma esquisita, ao ponto dela começar a se enxergar esquisita, à margem das demais. Sendo assim, a tristeza lhe invadiu e ela chorou. 

Suas lágrimas desencadearam uma sequência de acontecimentos envolvendo outros seres da natureza. A tristeza da flor chegou até Deus. E tudo foi surgindo a partir dali... As coisas iam se moldando e a florinha nunca pensou que todos se compadeceriam dela... E um belo e emocionante milagre aconteceu.

A alegria surgiu da tristeza, do choro, da superação. Da importância de se querer bem e de enxergar o quanto as pessoas que amamos nos amam também. É a elas que devemos ouvir, e não a um punhado de seres que não suportam nossa aceitação e felicidade. Deixar doer para saber florir... E deixar nosso perfume se espalhar pelo mundo, atraindo a alegria para perto da gente...


quinta-feira, novembro 16, 2017

Memória de minhas putas tristes - Gabriel García Márquez

"No ano dos meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem."

Eis a premissa que dá inicio a essa deliciosa e envolvente leitura do grande escritor colombiano Gabriel García Márquez. Memória de minhas putas tristes é um relato delicado, por vezes divertido de um narrador no auge de sua velhice, que resolve se aventurar com uma desconhecida, a fim de se presentear com sexo no aniversário de noventa anos. Mas algo inusitado acontece e ao ver a garota dormindo na cama fica com receio de acordá-la, e acaba por se apaixonar por ela...

Ao longo da narrativa, vamos acompanhando a trajetória desse 'romance' e o cotidiano do protagonista, que mesmo em idade tão avançada, possui um espírito jovem e por vezes impetuoso. Cronista de um jornal, sua vida foi regada a sexo e prazeres, e a essa altura da vida acaba por descobrir o amor.

Ao conhecer Delgadina, ele se dá conta que dormir ao lado de quem se ama sem necessariamente ter contato sexual pode lhe trazer consolo e felicidade. Memória de  minhas putas tristes nos coloca em reflexão acerca do que é ser velho. Envelhecer não é um problema para o protagonista, ele mostra que a vida não acabou quando alcançamos a 'terceira idade.' Enquanto se respira, ainda há muito a se aproveitar da vida...

Ele descobriu novos significados que valeram por uma vida inteira antes de conhecer a adolescente adormecida num quarto de bordel. O livro é uma ode à existência e ao amor. Depois de anos desperdiçados em festas e fugindo de amores, deitando com prostitutas que ele poderia descartar no momento seguinte, Delgadina lhe traz um sentido para continuar vivendo.

A escrita poderosa de Gabo é fluída e cativante. Capítulo por capítulo, somos surpreendidos com um sentimento de torcida para que haja a consumação do amor que abrasa o coração do velho jornalista. O amor que ele passa a nutrir pela adolescente é a 'cereja do bolo' de sua vida. Ele redescobre o amor por si mesmo, pelo vigor que a idade avançada não lhe tirou e nos envolve com a ternura que despeja sobre o corpo nu e entorpecido de Delgadina...

Memória de minhas putas tristes é encanto, é a escrita de Gabriel refinada e com sabor de sonho e céu azul... é o amor, puro e simplesmente possível de acontecer em momentos de nossa jornada que já não julgávamos possível... e ele vem, e brota. nos torna vivos novamente...



terça-feira, novembro 14, 2017

Caixa de Correio Outubro/2017

E mais uma vez acabei atrasando a caixa do correio... confesso que ando meio preguiçosa para postar essa coluna e pretendo mostrar os recebidos do mês em formato de vídeo, pra dar uma movimentada no canal do blog, o que acham da ideia? Mas por enquanto, vai saindo no formato convencional... 

Em outubro consegui comprar alguns títulos bem interessantes. Teve bienal do livro aqui em Pernambuco, então aproveitei as promoções para adquirir obras que há muito estavam em minha lista de desejados... Eis o que andei acrescentando ao acervo...



 Fiz as compras acima na banca de revistas aqui da cidade. Esses dias sai resenha do livro de Chimamanda aqui pra vocês...

Andei comprando algumas obras no Sebo do Dedê, como de praxe. Vieram húngaros, Rubem Alves, quadrinhos, histórias infantis... alguns já foram lidos e as resenhas serão publicadas aos poucos... aguardem...



No primeiro dia que visitei a Bienal comprei mangás de Peach Girl, a biografia do Joy Division, livros sobre cinema e quadrinhos. Confira as resenhas de Os Bórgias e O fotógrafo volume um nas postagens de novembro...


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 As compras que fiz no estande da CEPE editora mereciam destaque especial. Acabei ganhando um bloco de anotações como brinde, além de marcadores. Por indicação de um amigo, comprei O massacre da Granja São Bento e por recomendação de outras pessoas, trouxe os livros Viagem ao Brasil, A recriação do paraíso, Mobilidade urbana no Recife e seus arredores e Ruas sobre as águas. Todos os títulos são de minha área acadêmica, História...



Visitei a bienal em seu último dia e acabei garimpando relíquias por preços bem em conta... Veio Carlos Fuentes, Julio Cortázar, Michel Laub, Dalton Trevisan, Dias Gomes, Cassandra Rios, Fátima Quintas, entre outras preciosidades...



Mais uma visita ao sebo me rendeu edições como As flores do mal, Os cus de Judas, alguns quadrinhos e Índios e jesuítas nos tempos das missões...


Ganhei de uma colega de trabalho um exemplar de Auto de São Lourenço, do Padre Antônio Vieira. Há muito foi lido, mas pretendo realizar uma breve releitura a fim de expor meus comentários sobre a obra aqui no TN...



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Consegui no sebo [novamente] os livros Don Frutos e Viagem ao redor da lua. Assim que ler, resenho para vocês...


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Ganhei do meu amigo sebeiro o livro infantil Como nasceu a alegria, do meu querido Rubem Alves. Li na infância e pude revisitar seus versos e me encantar novamente com suas reflexões...



Fechando o mês com a Chave Mestra adquiri os livros Folhas na relva, de Walt Whitman e dois títulos de Gabriel García Márquez: Doze contos peregrinos e Memória de minhas putas tristes. Este último já foi lido e logo sai o post falando sobre ele por aqui...

O que eu consegui hoje numa troca no sebo... #folhasderelva #waltwhitman #martinclaret #sérieouro #poetry #leavesofgrass

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Já ia esquecendo: a compra que fiz na Estante Virtual, do livro A tela demoníaca. Trata-se de um livro que fala sobre o Cinema Expressionista que eu li na época de faculdade, quando paguei uma cadeira sobre História do Cinema... Vale a releitura pra ser comentado...





Vocês já devem estar enjoados de tanta coisa mas ainda tem um mangá de FullMetal Alchemist comprado na banca de revistas... Juro! Esse é o último do post ehhhee




Então... FIM. Espero que tenham gostado. Me contem nos comentários quais desses vocês gostariam de ver resenhados... Beijos e até a próxima ;)




segunda-feira, novembro 13, 2017

Escritos em verbal de ave, de Manoel de Barros

A poesia se despedia de Manoel de Barros em 13 de novembro de 2014. Mas seus versos se imortalizaram devido ao seu talento em nos contar histórias. Escritos em verbal de ave é uma obra singular, que trata com lirismo sobre um tema delicado e triste: a morte. 




Bernardo é uma criança, já conhecida dos leitores de Manoel em outros de seus textos. Mas nessa obra em questão, estamos a nos despedir do menino Bernardo. De maneira sutil e poética, a criança se vai para sempre. Impossível não sentir um oco no peito a cada frase do livro, que se esvai como a vida rumo ao seu fim...

"Deixamos Bernardo de manhã
em sua sepultura
De tarde o deserto já estava em nós."

Publicado pela Editora Leya, o livro possui uma diagramação e formatos peculiares. Apesar de ser um texto breve, de apenas 14 páginas, nos presenteia com aforismos e ilustrações que parecem nos levar a adentrar num sonho. Conhecemos a alma de Bernardo, de Manoel e encontramos a nossa própria entre os delírios do livro...

"Pedaço de mosca no chão:
meu abandono!"

Escritos em verbal de ave toca, comove, enternece, embriaga. É a voz de Manoel nos saudando 'do outro lado', despedindo-se junto com o entardecer que presenciamos dia após dia...



quarta-feira, novembro 08, 2017

Uma história no Afeganistão contada por um fotógrafo francês...

O fotógrafo - Uma história no Afeganistão é uma HQ publicada pela Editora Conrad e que num misto de ilustrações e fotografia, mostra o relato do fotógrafo francês Didier Lefèvre, que passou um tempo acompanhando uma equipe do Médicos sem Fronteiras pelas regiões áridas do Afeganistão, no ano de 1986. 


A experiência de Lefèvre foi de tal modo intensa que ele decidiu compartilhar com o mundo as fotografias tiradas ao longo do percurso, agregadas ao texto e desenho de Emmanuel Guibert e as cores e diagramação de Frédéric Lemercier. O fotógrafo desvela ao leitor um cenário de pobreza extrema, guerra e caos, onde os civis tentam se proteger dos ataques soviéticos. 

O diferencial que a obra nos traz, dividida em três volumes, é a visão distante do maniqueísmo que a mídia nos 'empurra goela abaixo', fugindo por completo do modo tradicional de se fazer o jornalismo de áreas de conflito. Ao longo das pouco mais de 80 páginas do primeiro volume, visualizamos os diálogos, costumes, cotidiano e expressões fortes e sofridas das pessoas com quem Didier conviveu, bem como o trabalho de tratar os doentes que encontravam pelo caminho e as agruras de sobreviver em ambiente tão inóspito e que ao mesmo tempo, carrega uma singular beleza natural.

As fotografias são bem expressivas e registraram cenas marcantes da expedição, momentos tensos de perigo e olhos de passantes desprovidos de esperança... Infelizmente ainda não possuo os dois livros seguintes mas trarei ambos aqui assim que tiver oportunidade. O fotógrafo nos revela uma cultura tão antiga e oposta a do Ocidente, que nos parece tão distante mas ainda assim, consegue despertar um fascínio perturbador em quem se aventura por suas páginas.


domingo, novembro 05, 2017

Aura, de Carlos Fuentes - mais um latino para amar...

"Afinal você poderá ver esses olhos de mar que fluem, viram espuma, voltam à calma verde, tornam a inflamar-se como uma onda: você os vê e repete para consigo mesmo que não é verdade, que são uns belos olhos verdes idênticos a todos os belos olhos verdes que você conheceu ou poderá conhecer. Entretanto, você não se engana: esses olhos fluem, transformam-se, como se lhe oferecessem uma paisagem que só você pode adivinhar e desejar."

Aura foi minha estreia na escrita do autor panamenho naturalizado mexicano Carlos Fuentes. Trata-se de uma ficção com ares de novela, que traz uma história cheia de expressividade e fluidez narrativa. O protagonista é levado para um emprego estranho, numa casa estranha com uma contratante já idosa que mora com uma sobrinha. A garota logo chama a atenção do Senhor Montero, que a cada dia se vê mais enfeitiçado por ela e pela aura que permeia as sombras daquela residência.


A obra tem uma narrativa em segunda pessoa, inserindo o leitor mais profundamente aos anseios e questionamentos de Montero. O personagem se perde em seus próprios devaneios e a todo momento o leitor se pergunta se o que ele vive é irreal ou tangível. 

Dono de uma poderosa escrita, Carlos Fuentes nos transporta à fronteira entre o sonho e o lúcido, numa espécie de torpor lírico em busca de respostas que culminam num desfecho inesperado e perturbador. 

Aura foi publicado aqui no Brasil pela L&PM Editores numa singela edição de bolso. Comprei o livro na Bienal do Livro mês passado, aqui em Pernambuco. Fez valer [muito] a pena o garimpo que fiz entre tantas lombadas de livros...

sábado, novembro 04, 2017

[+18] Bórgia - Sangue para o Papa


Publicada em quatro volumes pela Editora Conrad, a série Bórgia foi criada pelo aclamado quadrinista italiano Milo Manara, roteirizada por Alejandro Jaborowsky, um dos artistas mais conhecidos mundialmente. 

Bórgia nos conta a história do papa Rodrigo Bórgia e da relação com seus filhos, envolvendo incesto, tramas políticas, manipulação dentro do Clero, messianismo, luxúria e peste negra. Estamos no período Renascentista. Rodrigo, Lucrécia e César se perpetuaram na história da Igreja devido aos escândalos envolvendo seus nomes, além das orgias que orquestravam. Ouro, poder e lascívia formam a tríade divinizada dessa família. 


No primeiro volume, Sangue para o papa, conhecemos a infância de Lucrécia e seus irmãos, a ascensão de Rodrigo ao posto de Papa após a morte de Inocêncio VIII, intrigas, assassinatos, vinganças e compras de votos dos cardeais, a não-santidade que se esconde atrás da cortina de hipocrisia do Vaticano, num cenário romano em que a peste vitima a população, seja pobre ou rica, e o sexo permeia o ambiente, aliado ao caos e a miséria dos plebeus.


O traço de Milo Manara nos brinda com ilustrações fortes, violentas e requintadas que vão de pênis decepados a cenas de lesbianismo num convento. Banquetes finos sendo servidos e casas sendo pilhadas, fanáticos que gritam nas ruas e confrontos mortais em nome de santidades. Bórgia é uma obra-prima, uma biografia não-autorizada que cobre um dos períodos mais impressionantes da História. 

Certamente os leitores mais tradicionais podem se escandalizar pela crueza dos traços de Manara, além do roteiro de Jodorowsky, que por si só deixaria os mais puritanos com um misto de repugnância e asco. Aos desprovidos de tais tradições e sensíveis a arte, Bórgia é indispensável. Daquelas leituras que excitam ao revolver o estômago...

quinta-feira, novembro 02, 2017

Morte na praça - Dalton Trevisan

Cotidianos. Dalton Trevisan tem o poder de tornar poéticos os cotidianos. Trazendo personagens comuns, em situações que beiram o surreal mas que podem ser corriqueiras em nossa própria vizinhança, ou quiçá existência. Morte na Praça foi o último livro de sua brilhante obra que eu tive o prazer de ler, após ter adquirido o exemplar em mais uma edição da Bienal do Livro aqui em Pernambuco. 

Através dos contos que compõem o livro, publicado pela Editora Record, Trevisan tem o papel de dessacralizar a morte, tornando-a apenas um elemento do nosso dia-a-dia, sem estrelismo, glamour ou sofrimento. Apenas como ela é. Morte. As pessoas morrem a toda hora, todos os dias, em todo o mundo. 

Composto de 16 pequenas histórias, conhecemos personagens apaixonados, atormentados, enganosos, ricos ou pobres, homens e mulheres. Nenhum deles escapa a única certeza que temos na vida: a de morrer. A linguagem do escritor é enxuta, sem preâmbulos, mas consegue carregar certo traço de poética pelas imagens descritas em sua narrativa. 


Trevisan é um dos mais famosos contistas brasileiros, natural do Paraná e é conhecido pela alcunha de O vampiro de Curitiba. Não é dado a entrevistas, estrelato e prefere a calmaria e solidão de sua residência na capital paranaense. Já de idade avançada, registra por metáforas e reticências uma intensidade psicológica na atmosfera de seus contos. O silêncio seco que vem em seguida de um ponto final de suas tramas diz muito do impacto que a leitura causa ao leitor. 

Mescla de trágico e grotesco, drama e amor, Morte na praça nos deixa em suspenso; os desfechos nos foram entregues de maneira sutil, desprovidos de sentimentalismo e o impacto é o vazio em nossas consciências. De que nos falta algo. Quando tudo está diante de nós mesmos. A morte descrita no livro não tem ares ritualísticos, não é divina, é apenas... o fim. E reinícios para os que continuam depois da perda...