domingo, abril 14, 2019

Resenha: A gorda do Tiki-Bar, de Dalton Trevisan

Um dos trabalhos mais recentes de Dalton Trevisan intitula-se A gorda do Tiki-bar. Publicado pela L&PM Editores, traz onze contos de forte cunho sexual, narrados com uma destreza cru-poética digna de poucos escritores da contemporaneidade. Se faz necessário levar em conta o fato de que seus textos começaram a ser publicados na década de 1940.

Seu jeito de contar histórias possui uma particularidade singular, dando leveza a textos erotizados, que soam como uma relação sexual a meia-luz num bordel de letras em neon vermelho. Por vezes chocante devido à visceralidade de seus enredos e personagens, há tons de decadência nos desfechos de cada conto, verdadeiros diálogos despudorados e inquietantes, lascivos e entorpecentes. 

Dalton Trevisan nasceu em 1925, na capital paranaense. É um dos escritores vivos que representam muito bem sua geração literária. Prolífico, escreveu apenas um romance, mas diversos livros de contos, chegando a ser traduzido para outros países. 


- Galope não. Fique no trote. 

Corcoveava e bufava igualzinha à mula branquinha, que fora o seu primeiro grande amor.


 

sábado, abril 13, 2019

A lenda de Narciso, recontada por Luiz Guasco

Liríope foi uma ninfa, mãe de Narciso. Quando o menino nasceu, ela ficou encantada com sua beleza. Aliada ao encantamento, o medo dos deuses do Olimpo de se sentirem desafiados pela sua perfeição e sabia que seu bebê poderia ser punido. Então, ela resolve ir em busca de ajuda, pedindo conselhos de Tirésias, um adivinho cego, que foi enigmático em sua resposta: "Narciso pode ter vida longa, desde que não veja a si mesmo." 


Eis umas das lendas mais conhecidas da Mitologia Grega. A lenda de Narciso ganha uma versão simplificada através da narrativa de Luiz Guasco, fazendo parte de uma série da Editora Scipione, intitulada Re-Encontro Literatura. O autor nasceu em São Paulo e é bacharel em Língua e Literatura Grega pela USP. 


Narciso é filho de Liríope e do deus-rio Céfiso. Apesar do fascínio que exerce em todo ser que o conhece, ele é alheio aos apelos de seus admiradores. Mas como as Tragédias gregas sempre tem seus motivos, Narciso vê seu reflexo nas águas e se apaixona por sua própria face, aproximando-se do reflexo, cai na água, vindo a afogar-se, abreviando sua vida...


A Grécia é considerada o berço da civilização ocidental. Surgiu por volta de 2.000 a.C. Suas pólis tinham organização próprias. Mas compartilhavam sua ancestralidade, hábitos e costumes religiosos. Artes, Filosofia e Ciências são os alicerces da cultura helênica e atravessaram gerações, incutindo nas sociedades seguintes um modelo social-democrático que se embasava na oralidade de seus mitos, a fim de explicar a sua origem. 


A mitologia grega é intrínseca ao politeísmo. Os deuses gregos tinham características humanas, se envolviam com humanos e dessas uniões poderiam surgir frutos: os chamados semi-deuses, os ditos Heróis de diversas narrativas. Haviam outras figuras mitológicas, tais como as ninfas, sátiros e centauros. Liríope temeu por seu filho, pois sabia que sua beleza exagerada poderia atrair a fúria das divindades, que iam se sentir ameaçadas por Narciso. Egocêntricos, almejavam todas as atenções para si mesmos. 

Narciso originou um termo na psicanálise freudiana: narcisismo. A fixação afetiva de um indivíduo por ele mesmo. Contemplar a própria imagem, tal como o rapaz que se afogara nas águas ao admirar o próprio reflexo. É interessante o uso do mito de Narciso para se levantar reflexões importantes sobre a sociedade atual, que se alimenta do consumismo e da busca por uma imagem perfeita, inalcançável. 

Em suma, é uma obra que levanta questionamentos. Mitos Antigos que retratam tão bem um contexto de pós-modernidade...


Narciso, de Caravaggio.

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segunda-feira, abril 01, 2019

O deserto do amor - François Mauriac

Laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1952, François Mauriac nos presenteia com O deserto do amor, livro que narra um peculiar triângulo amoroso composto por uma mulher que encantou dois homens - pai e filho - através de passagens de tempo distintas. Raymond Courrèges tem 35 anos e lembra da adolescência vivida no interior da França. Quando tinha apenas 17 anos, caiu de amores por Maria Gross, depois de a ter encontrado casualmente num bonde.
Maria flerta com o rapaz sem sequer suspeitar que ele é filho do médico Paúl Courrèges, que vive num casamento fracassado e é apaixonado por sua paciente. A obra foi publicada em 1925, e traz como pano de fundo do romance temas como tentação, ciúmes, juventude irriquieta, vícios e afins.

Mauriac possui uma escrita contundente e refinada, nasceu em Bordeaux e seus romances costumam retratar a burguesia provinciana com a qual teve contato durante sua infância. É notável em O deserto do amor, sua capacidade de penetrar nos dramas da vida humana, a partir de personagens intensos, desprovidos de falsa moral e carregados de existencialismo.

O deserto do amor é uma leitura que te convida a inserir-se na velha Paris e numa peculiar Bordeaux, região vinícola do país. Um romance soberbo.