quarta-feira, junho 26, 2019

Caio F. Abreu: Os dragões [des]conhecem o paraíso...

O amor é descrito de forma sensível e crua pelo olhar de Caio f. Abreu em Os dragões não conhecem o paraíso. O amor em várias nuances, que vão do cinza aos dias pálidos que refletem ausência, abandono e dor aos coloridos cheios de expectativas.
A antologia possui 13 contos e é uma publicação da Editora Nova Fronteira. Neles, Caio desvela um estilo visceral e que ao mesmo tempo possui um sutil toque minimalista. Vencedor do Prêmio Jabuti no ano seguinte à sua publicação, foi escrito numa época em que o contexto político e social se faz notar em nossa contemporaneidade. São contos atemporais, que transbordam de lirismo em sua casualidade.

Seus personagens se refugiam em simulacros, parecem inertes à dor, como almas perdidas imersas em um mar de desalento, descritos numa narrativa poética e poderosa, vultos anônimos embalados pelos bastidores do lugar-comum. Caio possui uma escrita que mescla o grotesco ao selvagem, um oco desagradável. E que nos enleva. Um paradoxo sustentado pelo existencialismo que culmina no vazio...

Seus contos se agarram em ilusões na efemeridade, a fim de nos manter sãos, enquanto perigosamente estamos às margens... de qualquer coisa palpável, que nos faça sentir o frescor da vida na pele. O brusco de seus desfechos soa como um líquido amargo na garganta, que acabamos por sorver em goles generosos...

sexta-feira, junho 21, 2019

Poemas, de Konstantinos Kaváfis

Publicada pela José Olympio Editora, Poemas - do egípcio Konstantinos Kaváfis é um compilado de versos divididos de maneira cronológica, além de possuir um texto de apresentação [por João Paulo Paes] e uma descrição crítica acerca de sua produção poética. Por se tratar de uma obra limitada, e de sua fama alcançada postumamente, Kaváfis a princípio pode parecer pouco prolífico, mas ao longo de sua vida inteira, debruçou-se sobre seus poemas, reconstruindo-os e moldando-os até que lhe parecessem dignos de serem publicados.
Toda escrita em neogrego, sendo parte das obras mais consideráveis da poesia grega moderna, há subjetividade e um condicionamento social. Sua homossexualidade fez com que temesse as convenções ortodoxas da moral grega de seu tempo. Nesse contexto, o leitor compreende o simbolismo carregado em seus versos.

Em suma, Poemas é uma obra que nos apresenta o que há de mais refinado nos versos de Kaváfis, além de um interessante estudo de sua vida e descrição crítica da obra como um todo...

sexta-feira, junho 14, 2019

[Um amor Feliz] - Wisława Szymborska

Ambos estão certos
de que uma paixão súbita os uniu.
É bela essa certeza
mas é ainda mais bela a incerteza.

Publicado pela Companhia das Letras, essa nova coletânea de poemas da polonesa Wisława Szymborska mostra versos que se comunicam com o leitor, que falam do cotidiano, o amor e temas comuns, porém esculpidos numa bela composição, num tom informal que preza pelo lírico em sua essência.


Sua poesia possui profundidade apesar de sua singeleza. São cerca de 85 poemas escritos desde 1957 até sua morte em 2012. Além de ser uma edição bilíngue, [Um amor feliz] ainda conta com o discurso feito por Szymborska durante sua premiação do Prêmio Nobel de Literatura em 1996. 

Aos já conhecidos leitores de sua obra, é um livro imprescindível para adentrar ainda mais na atmosfera da poeta. Serve também como uma bela introdução àqueles que nunca tiveram contato com seus versos. Wisława é rigorosa e ao mesmo tempo possui grande sensibilidade para tratar de temas "lugar-comum" sem se apoiar em clichês. Sem dúvida, uma leitura apaixonante...





 É uma grande sorte
não saber ao certo
em que mundo se vive.

terça-feira, junho 11, 2019

[Resenha] Aquele que é digno de ser amado

Quebrar, deixar, romper, partir, terminar, apagar é o que mais me dá prazer faz alguns anos.
Primeiro romance de Abdellah Taïa publicado no Brasil, Aquele que é digno de ser amado é um livro epistolar. Tendo o formato de quatro cartas; em duas delas, o protagonista Ahmed escreve à sua mãe já falecida, Malika, e ao seu amante francês Emmanuel, pertencente a um passado distante de sua vida atual. As outras duas cartas foram destinadas a Ahmed, tendo sido escritas por Vincent [outro amante do passado] e um amigo de infância chamado Labbib.


Você não está mais aqui para guiá-lo, secar as lágrimas dele, economizar dinheiro para ele, caso seja preciso. Não é mais a mestra, a mentora dele. Oura mulher tomou o seu lugar. Nele, no corpo dele, essa mulher se vinga de tudo o que o Marrocos reserva como destino cruel para as mulheres. O Slimane hoje paga caro, caríssimo, pela covardia dos outros homens marroquinos.

As cartas datam de períodos que vão da década de 19910 até 2015. O leitor se depara com relatos envolventes, crus, carregados de amargura, dor e saudades. Ahmed é homossexual e isso é questionado ao longo da obra, bem como sua identidade de árabe que vive na França. 

Abdellah Taïa



Apesar da suposta liberdade que o Ocidente lhe trouxe, pois ali ele podia expressar sua sexualidade sem o risco de morrer por isso, essa adesão à cultura do colonizador acaba por arrancar de Ahmed suas raízes culturais, fazendo com que ele se veja num conflito de identidade. Sua relação com a mãe foi difícil. Ter que se exilar num país tão diferente do seu acaba por deixar o personagem imerso em reflexões acerca do seu "eu". 


Aos 40 anos, Ahmed enfrenta velhos fantasmas. Através das cartas, o leitor sente a fragilidade e confusão do protagonista. O livro traz à tona questionamentos sobre relações de poder, do colonialismo e sobre o 'ser estrangeiro' em sua própria cultura.

O autor se declarou gay em 2006, sendo o primeiro escritor árabe a fazê-lo. Tornou-se então um ícone de resistência contra a opressão religiosa e política de seu país. 




tentei por longas horas recuperar aquela minha energia e a força da primeira vez que te toquei, que te segurei, a primeira vez que te comuniquei o meu calor ao mesmo tempo desejando me fundir completamente ao seu. Eu ainda não me atrevia a te amaldiçoar, a te xingar com todos os palavrões, te quebrar em mil pedaços, te aniquilar no meu coração para finalmente me dar conta, de que eu estava, a partir daquele momento e para sempre, assombrado por você e pelo pouco de si que você me ofereceu.



sábado, junho 01, 2019

O relato erótico de João Ubaldo Ribeiro em A casa dos Budas Ditosos

A Casa dos Budas Ditosos é o relato de uma mulher que teria sido enviado de maneira misteriosa para João Ubaldo Ribeiro. Talvez essa "história dentro da história" seja apenas um recurso utilizado pelo autor, a fim de enriquecer a obra, mas de qualquer maneira, a narrativa seduz o leitor desde os primeiros parágrafos.


O fato é que através da escrita e 'edição?' de Ubaldo, conhecemos a intimidade sem pudores da personagem, carregada por vezes de ironia, luxúria e chocante sofisticação. A misteriosa mulher nasceu na Bahia mas vive há muito tempo no Rio de Janeiro. A casa dos budas... é um depoimento envolvente, excitante e curioso sobre as aventuras sexuais dessa mulher, cuja identidade nunca é revelada. Suas experiências são narradas numa crueza de detalhes que nos faz ter a impressão de descortinar toda a vida da personagem.

Não há meio-termo em suas descrições. A linguagem é solta, despudorada e sem rodeios. 

Ele tinha despertado algo que dormia em mim, algo de cuja existência eu jamais suspeitaria e agora, pelas mãos dele, descobrira arrebatada, quase sem fôlego.

Entretanto, é necessário salientar que a leitura desse livro é adequada para maiores de 18 anos, devido à inúmeras passagens de conteúdo sexual descritas sem a menor 'vergonha' pela narradora/autor. A obra faz parte da Coleção Plenos Pecados, encomendada a João Ubaldo pela própria editora responsável pela publicação. Após a nota no jornal ter informado a noticia, os originais do livro foram entregues por um desconhecido no prédio onde o autor trabalhava, assinado apenas com as iniciais CLB.

João Ubaldo Ribeiro é um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, foi membro da Academia Brasileira de Letras, escrevendo mais de quinze títulos em 16 países. A casa dos Budas ditosos é uma leitura apaixonante. Recomendo...