terça-feira, setembro 28, 2021

Vozes do retrato - Dalton Trevisan

 Numa coletânea de textos revisados pelo próprio autor, Vozes do retrato carrega quinze textos curtos de autoria de Dalton Trevisan, que desnudam a alma dos personagens imersos em realidades cruas e secas, que se mostram mais palpáveis do que imaginaríamos.



João está morrendo de câncer. Já se tornou um incômodo para a mulher e filha, cheira mal e se encontra numa cama. Pela perspectiva de outros personagens, é o algoz da narrativa. Aquele que não dá descanso aos seus. Cruel? Real. Eis o poder de Trevisan com as palavras. 

Já não tem posição na cama: as costas uma ferida só. Paralisado da cintura para baixo, se obra sem querer. A filha tapa o nariz com dois dedos e foge para o quintal:
- ai, que fedor.. Meu Deus, que nojo!
Com a desculpa que não podem vê-lo sofrer, mulher e filha mal entram no quarto. 


Dona Candinha padece os horrores da rejeição por parte de sua própria filha. A velhice é a condição que a faz perder o afeto. Um namoradinho que surge é outra razão para ser abandonada numa clínica de repouso. Deixada sozinha num lugar que pouco ou nada se importa com os sentimentos dos pacientes, o conto é um reflexo de como tratamos os velhos na nossa sociedade. 

Sem se aquecer ao sol, sobrevivendo aos golinhos de chá frio e bolacha Maria. Tão fraca nem podia ler, as letras embaralhadas mesmo de óculo. 

_ Olhe essa mulher, doutor - era a filha, vestido preto de cetim, lábio de púrpura, pulseira prateada. - Domingo de sol, uma pessoa deitada? O dia inteiro chorando e se queixando. Aqui não falta nada, que mais ela quer?

- Vá-se embora - respondeu docemente a velha. - Desapareça da minha vista. Você mais o dente de ouro. 

De dia o rádio ligado a todo o volume. À noite, a gritaria furiosa das lunáticas. Sentadinha na cama, distrai-se a velha a espiar uma nesga no céu. 


Fifi, já velhinha, tem onze anos. Não consegue subir as escadas. A moça hoje, sua dona desde menina, há muito não brinca com ela. A dona da casa implica com o seu cheiro de velhice e pêlos com pulgas. A saúde piora, chamam o veterinário, mas ao menor sinal do namorado a chamar no portão, a preocupação com a cachorrinha se esvai. Prioridades... 

Gemendo, se a dor passa um pouco, espicha as pernas. Olhinho bem aberto (a imagem da moça ali para sempre), entra latindo no céu. 


Vozes do retrato mostra o [des]apego do indivíduo em detrimento do efêmero. É sobre a rudeza dos cotidianos que se mostram implacáveis, e Dalton Trevisan não se poupa de escancará-los em seus textos. Retratos que revelam mais do que o homem quer revelar. Retratos que ecoam, numa espécie de soluço mudo, secos, provocando um baque no peito de quem os contempla... 




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terça-feira, setembro 21, 2021

Finais / Derek Walcott #PoesiaRotaMundo





Finais

As coisas não explodem,
falham, fenecem,

como a luz do sol fenece da carne,
como a espuma escoa veloz na areia,

nem o relâmpago do amor
tem fim trovejante,

morre com o som
das flores fenecendo como a carne

da suada pedra-pomes,
tudo dá forma a isto

até que ficamos
com o silêncio que rodeia a cabeça de Beethoven.
[Tradução por Rodrigo Garcia Lopes]  


Endings

Things do not explode,
they fail, they fade,

as sunlight fades from the flesh,
as the foam drains quick in the sand,

even love’s lightning flash
has no thunderous end.

it dies with the sound
of flowers fading like the flesh

from sweating pumice stone,
everything shapes this

till we are left
with the silence that surrounds Beethoven’s head.

Sobre o autor: Derek Walcott nasceu na ilha de Santa Lúcia no ano de 1930. Foi vencedor do Prêmio Nobel em 1992, sendo o primeiro autor caribenho a receber essa premiação. O poema Omeros é sua obra mais famosa. Além de poeta, foi também dramaturgo e ensaísta. Faleceu aos 87 anos, em 2017.




Santa Lúcia é um país-ilha de origem vulcânica situada no mar do Caribe, sendo pertencente à América Central insular. A cultura do país tem grande influência africana, inglesa e francesa. Possui um famoso Festival de Jazz que ocorre anualmente. A capital é Castries e o idioma oficial do país é o inglês. 







A poesia selecionada faz parte do Projeto RotaMundo, em parceria com o blog Poesia na Alma. Neste mês de junho teremos poesias dos países que compõem a América Central: Santa Lúcia, Trinidad e Tobago e Granada. Para encontrar as demais obras, visite nossas redes [Instagram e Youtube]. Para saber quais os poemas escolhidos por Lilian Farias, visite o blog Poesia na Alma e suas redes sociais.

quarta-feira, setembro 15, 2021

O cavalo Amarelo - Agatha Christie

 Publicado em 1961, O cavalo amarelo é um romance policial da escritora inglesa Agatha Christie e trata da história de um padre que acabou sendo morto depois de uma chamada para dar a extrema unção numa mulher moribunda. 

Após o seu assassinato, o escritor Mark Easterbrook se vê envolvido numa trama com mortes aparentemente naturais, interligadas a uma hospedaria numa cidade de interior intitulada O cavalo amarelo, onde são realizadas sessões espíritas com as proprietárias do local, conhecidas como 'bruxas'.

 



As mortes trariam lucros para determinadas pessoas, e outro ponto interessante é a lista que o reverendo Gorman trazia quando encontrado morto: as vítimas que sucederam sua morte estavam todas nela. Era questão de tempo para Mark conseguir resolver o quebra-cabeças, antes que mais pessoas acabassem assassinadas.

O cavalo amarelo é um dos títulos de Agatha que não trazem a figura de Hercule Poirot como protagonista das investigações. Mas podemos contar com a aparição de Ariadne Oliver, escritora e amiga do detetive belga, ajudando o escritor Easterbrook a solucionar os crimes. 

As pistas parecem apontar para um inválido milionário, mas seria ele mesmo a mente por trás desses crimes? E quais as motivações? A trama/narrativa de Agatha enreda o leitor por cenários pitorescos, apresentando personagens bem construídos e um desfecho surpreendente. 


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domingo, setembro 05, 2021

Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles

 


A Minas Gerais do século XVIII é retratada em Romanceiro da inconfidência, obra consagrada da poeta brasileira Cecília Meireles. Historicamente falando, a trama aborda os acontecimentos que envolveram o episódio conhecido como Inconfidência mineira, em que Tiradentes - um dos principais personagens da História do Brasil - foi enforcado após ser denunciado à Coroa Portuguesa, por lutar acreditando num ideal de liberdade da colônia em relação a Portugal. Ele e outros membros do grupo dos Inconfidentes acabaram presos, mas só ele foi sentenciado à morte. 

As ideias iluministas que fervilhavam na Europa naquele período já haviam inspirado os colonos da Nova Inglaterra a lutarem por sua independência. Gradualmente, outras colônias do continente americano entraram num processo de lutas e combates a fim de se desligarem de suas metrópoles, e com isso em mente, os inconfidentes queriam libertar o Brasil das amarras portuguesas. A tentativa resultou em fracasso, mas de certa forma, serviu para inflamar no pensamento da população da colônia o sentimento de liberdade que logo culminaria em outros episódios de conflitos por libertação nos anos seguintes.

O romance em formato de poesias, gênero conhecido como romanceiro, tem raízes na Península Ibérica, que surgiu desde a Idade Média e possui um tema central contado de forma épica. Cecília retrata os cenários de Minas Gerais no século XVIII, período histórico em que a economia girava em torno da extração de minérios na região central do país, atraindo colonos que anteriormente viviam no litoral, no plantio da cana-de-açúcar, mas que notaram uma possível prosperidade financeira nessa nova atividade. 

Levando em conta os parâmetros de estrutura narrativa do gênero, a autora não se prende milimetricamente a tais questões, deixando o texto 'correr solto' em algumas passagens, utilizando também uma rima desprendida, em alguns trechos, embora não desapegue por completo das chamadas rimas perfeitas. 

Vila Rica [atual Ouro Preto] é sinalizada como país das Arcádias, referenciando o Neoclassissismo. Essa alusão se cumpre ao encontramos poetas do período inseridos na trama, como Dirceu [e sua Marília], por exemplo. 

Outros nomes conhecidos da História são inseridos na trama, como Alvarenga Peixoto e Xica da Silva. Em suma, Romanceiro da Inconfidência é de grande importância para a literatura brasileira, se configurando em uma das grandes obras escritas no século XX. 



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