Minha estreia com os vampiros de Anne Rice [na literatura] - Entrevista com o vampiro

“O vampiro era incrivelmente branco e suave, como se tivesse sido esculpido em osso descorado. Seu rosto parecia tão inanimado quanto uma estátua, exceto pelos dois olhos verdes e brilhantes que examinavam o rapaz atentamente, como se fossem chamas saindo de um crânio. O vampiro sorriu, quase melancolicamente, e a substância branca e macia de seu rosto se moveu como as linhas infinitamente flexíveis, mas mínimas, de um desenho animado…”



Estou escrevendo enquanto a empolgação não me abandona. Eis que terminei essa madrugada o livro Entrevista com o vampiro, da escritora Anne Rice, publicado pela Editora Rocco. A sensação que tenho é de que gostaria de me tornar imortal se a maneira como se dá a coisa é como a descrita no livro *risos eternos*. Principalmente se fosse um Lestat ou um Louis que me transformassem.

Falando sério agora. O livro é apaixonante. Não poderia descrevê-lo de forma melhor. Eu conhecia a história por causa do filme, estrelado por Brad Pitt e Tom Cruise, tendo ainda Antonio Banderas como o vampiro Armand e Christian Slater como o rapaz que entrevista o vampiro Louis. E como já era apaixonada pela história, lógico que queria conhecer o livro, mas nunca tinha tido chance, até uns dias atrás, quando um amigo me emprestou o exemplar dele. Adianto que logo lerei outros títulos de Rice que ele possui, e que eu igualmente só conheço por meio de filmes... 



O que posso dizer é que Anne Rice conquistou meu coração e pretendo ter suas obras em meu Acervo Particular... Entrevista com o vampiro possui uma narrativa fluída, apesar de não ter divisão de capítulos. Costumo achar livros assim divididos meio enfadonhos, mas ele se mostrou excepcionalmente fluído e denso. A história é contada do ponto de vista de Louis, um vampiro transformado por Lestat no ano de 1791, aos 25 anos. Segundo ele, Lestat o escolheu por ele possuir um imóvel na zona afastada da cidade, que era de interesse do misterioso vampiro. A partir daí, nasceu uma dependência de ambos os lados, e apesar de Louis não sentir afeto de qualquer espécie por Lestat, ao mesmo tempo se via enredado nele, sem conseguir ficar longe dele. 

Louis vai narrando toda a história para o entrevistador, que está registrando toda a conversa num gravador com toca-fitas. A noite parece se demorar propositadamente a fim de que o vampiro narre todos os acontecimentos importantes de sua longa existência. Um destes fatos é quando Claudia entra em sua não-vida, uma criança de cinco anos que ele sugou e Lestat aproveitou a situação para imortalizá-la, acredito eu, numa forma de punir a 'moralidade' de Louis, que se recusava a aceitar sua condição vampírica, de não querer matar e se alimentar muitas vezes com sangue de animais. 

“O mal é um ponto de vista - sussurrava agora. - Somos imortais. e o que temos à nossa frente são os ricos festins que a consciência não pode julgar e que os homens mortais não podem conhecer sem culpa.”Lestat

Louis de Pointe du Lac e Lestat de Lioncourt


A meu ver, Louis não abandonou sua existência mortal. Ele se indigna com sua condição, não quer matar, embora seja preciso mas não encontra uma saída para acabar com sua frustração. Se entrega às artes, à leitura de vários livros ao longo das décadas. Quando Claudia surge em suas vidas, ele toma conta da pequena como se fosse sua filha, lhe ensina a cultura dos mortais, embora Claudia se assemelhe bastante a Lestat, caçando os humanos sem se importar em matá-los. Os anos vão passando e Claudia é uma mulher, mas presa para sempre na aparência de uma criança. Usa dessa artimanha para se alimentar por diversas vezes, mas sente-se frustrada em nunca conhecer o 'amor'.

Lestat é misterioso, não fala nunca sobre sua origem, ou como foi mordido, não explica todas as 'regras' para Louis, deixando-o sempre 'às escuras.' Debochado, cínico e por vezes arrogante, tem um charme característico e uma queda por vítimas jovens, em especial meninos.

Notei certa homoafetividade entre os vampiros descritos por Anne Rice. A relação de Lestat e Louis traz muito dessas características. Não há cenas sexuais entre os dois, mas há nuances perceptíveis de erotismo nela. Com relação a Claudia, as mentes mais conservadoras e moralistas poderiam definir como pedofilia ou coisa do gênero, pois o tratamento dela com Louis é mais do que 'pai e filha', embora não haja sexo entre os personagens. Creio que esse foi o motivo da escolha de uma garota mais velha para interpretar a vampira no filme, ficando o papel com Kirsten Dunst, com 13 anos na época.

- Não posso viver sem você - ela sussurrou. - Morreria do mesmo modo que ele morreu. Não posso suportar o olhar que me lançou. Não posso suportar o fato de não me amar!- seus soluços ficaram mais altos, mais amargos, até que finalmente me inclinei e beijei seu pescoço e suas faces macias. Ameixas de inverno. Ameixas de uma floresta encantada onde a fruta jamais cai dos galhos. Onde as flores nunca murcham e morrem.- Está bem, minha querida… - disse eu. - Está bem, meu amor…- E a embalei lentamente, delicadamente em meus braços, até que adormecesse, murmurando algo sobre a felicidade eterna…

Outro ponto positivo na trama é que ela se divide em 4 partes. De início conhecemos Louis e sua história, depois ele nos conduz [junto com o entrevistador] à vida dele e Claudia sem Lestat [perdão pelo spoiler mas não contarei como se deu esse desfecho], depois a vida na Europa quando ele retorna à França levando a companheira, e conhecem outros de sua espécie, entre eles o sedutor Armand. A parte final seria o retorno à cidade de Nova Orleans, onde a história começou e o surgimento de alguém muito importante e vital para Louis...

Não poderia deixar de falar sobre como Anne é descritiva. Cenários, figurino, costumes da época, bem como o relato de Louis falando sobre como se dá a transformação ou o ato de se alimentar de uma vítima humana. Tudo isso faz com que o leitor esteja presente na cena em si. A autora narra com maestria, a ponto de nos transportar para dentro do livro...

Claudia, apesar de cruel como Lestat, odeia sua condição nas formas que apresenta. Ela fica com ódio de Lestat por ele lembrar-lhe essa condição. Curiosa, insiste até descobrir como de fato se deu sua transformação. Passa a odiar ambos os 'tutores'... Louis é quem lhe confessa o que realmente aconteceu, pois ela só tinha cinco anos na época e não lembrava de muita coisa... 

“E eu senti novamente aquela paixão por você. Oh, sei que agora a perdi para sempre. Posso vê-lo em seus olhos! Você me olha como aos mortais, de longe, de alguma região de fria auto-suficiência que eu não podia compreender. Mas eu o fiz. Senti tudo de novo, uma ânsia vil e incontrolável de ouvir seu coração martelando, de sentir este rosto, esta pele. Você era rosada e perfumada como são as crianças mortais, doce como um travo de de sal e poeira. Abracei-a de novo, e a possuí novamente. E quando pensei que o seu coração me mataria, e não me importei, ele nos separou e, rasgando seu próprio pulso, ofereceu-o a você. E você bebeu. Bebeu e bebeu até quase esgotá-lo, e ele ficou tonto. Mas, então, você já era uma vampira. E naquela mesma noite bebeu sangue humano, como nas noites que se seguiram.- Sua expressão não mudou. A carne lembrava a cera de velas de marfim; somente os olhos denotavam vida. Não tinha mais nada a lhe dizer. Coloquei-a no chão.- tirei sua vida - disse eu. - Ele a devolveu.- E aqui estamos - ela disse ofegante. - E eu odeio a ambos!” 

Kirsten Dunst e Brad Pitt, como Claudia e Louis...


Me perdoem pelas grandes citações, mas não poderia deixar de registrá-las aqui. Confesso que grifaria praticamente tudo, se o livro fosse meu... A cada página, eu não conseguia parar de ler, e queria saber o que me aguardava no trecho seguinte. Me senti conversando com o próprio Louis, o tempo inteiro... Os personagens despertam certo fascínio no leitor, e creio ser possível se identificar com algum[ns] dele[s] em vários momentos do livro. A visão da autora é de um pessimismo refletido nos personagens. Através deles, ela faz críticas à religiosidade, e tudo tende ao fadado fracasso da existência... Mesmo com a 'honra' da imortalidade, é como se a própria criatura um dia se cansasse disso... O tempo todo isso se reflete na figura de Louis... Apesar de achar que perdeu sua alma, ele seria o mais 'humano' dentre os personagens, por não ter abandonado por completo sua mortalidade. Ele relembra da família, das pessoas que conheceu e que hoje não passam de cinzas, enquanto ele permanece, perdido entre os séculos, buscando algo que o deixe 'vivo' quando o tédio da imortalidade lhe assoma a existência...


Você me deu o seu beijo imortal - ela disse, não para mim, mas para si própria. - Você me amou com sua alma de vampiro. - E eu a amo com minha alma humana, se é que já tive uma - disse eu.


Em suma, é um livro para ser digerido aos poucos, como goles de sangue retirados de um pulso ou de um belo pescoço *risos*. Aos apaixonados por vampiros [de verdade, e não esses clichês baratos que andam vendendo por aí], eis uma boa leitura... Interessante também é ver o filme, que é igualmente fascinante... Espero que tenham apreciado a resenha... Até a próxima... beijos vampíricos... ^.~ 



2 comentários:

  1. Aii Val, sou louca pra ler, eu tenho o vampiro Lestat, mais ainda não tive tempo de ler, mas irei.
    Da Anne só li os livros eróticos, e as crônicas vampirescas só conheço pelos filmes.
    Mas vontade não falta, vc agora me agoniou pra agilizar essa leitura.
    beijos

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  2. Li o romance quando era bem novo,em 93.No ano seguinte vi o filme no cinema.Detestei.Todas as questões existenciais do romance foram abordadas muito toscamente(toscamente MESMO,de forma bem superficial para dizer o mínimo).Aliás,as questões mais importantes não foram abordadas.Cenas importantíssimas(a morte do pai de Lestat,por exemplo,bem como o diálogo entre Louis e Armand na torre depois de Madeleine ter sido transformada em vampira)foram deixadas de fora,empobrecendo muito a história.Antonio Banderas atuou muito bem,mas NADA TEM A VER COM ARMAND não só no sentido físico,mas ontológico.Parece uma mera sombra do personagem do romance.Tenho até hoje a impressão de que Rice subestimou o público que veria o filme.Pior:o livro aqui no Brasil,depois do lançamento do filme,passou a ser um dos mais vendidos...e eu não conheci ninguém que tivesse passado da vigésima página(rsrsrsrsrsrs).Detalhe:a tradução foi feita por ninguém menos que Clarice Lispector-o que por si só já vale a leitura.De qualquer forma,é o melhor livro de Rice."A Rainha dos Condenados" chega perto,mas não tem a intensidade do "Entrevista", talvez por não ser tão intimista.

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