Da Argélia ao Brasil - A tortura como arma de Guerra


Leneide Duarte-Plon é uma jornalista brasileira que vive em Paris e escreveu A tortura como Arma de Guerra pela Editora Civilização Brasileira. Essa obra é um verdadeiro objeto de estudos sobre omo os franceses exportaram o terrorismo de Estado para outros países, principalmente para as nações latino-americanas que entre os anos 1960 e 1980 instauraram os horrores da Ditadura com métodos de tortura para suas vítimas...

Há uma entrevista com um dos nomes mais polêmicos das forças armadas francesas: Paul Aussaresses, responsável pela tortura e morte de vários presos políticos na guerra da Argélia, bem como por treinar o Esquadrão da Morte. Declaradamente de Direita, também se proclamava anti-comunista e pró-americano, Aussaresses afirmou que "a tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes." Mas em sua mente doentia, os torturados faziam parte da classe trabalhadora, estudantil e independentista. 

Aussaresses publicou o livro Je n'ai pas tout dit em 2008, alguns anos antes de sua morte em que revela a maioria de suas táticas de treinamento e acontecimentos durante seu período como militar, inclusive de sua estada no Brasil como adido, onde fez palestras na Escola Nacional de Informação e foi professor no Centro de Instrução de Guerra na Selva em Manaus. 

A autora de A tortura como Arma de Guerra une em sua escrita jornalística informações importantes com um olhar historiador sobre episódios tão sinistros de nossa História. Sua obra denuncia a violência institucionalizada que o Brasil vivenciou no período da Ditadura Militar e que atualmente se manifesta através da repressão de um governo golpista alavancado por manifestantes que gritam por intervenção militar e caça aos comunistas no auge de suas ignorâncias.

O livro traz referências bibliográficas, uma cronologia e mais entrevistas com pessoas que sobreviveram aos horrores das torturas realizadas nas ditaduras... Faz comparações com a política brasileira atual no que concerne ao estupro da democracia quando em pleno vigor da ditadura, o país dos Direitos Humanos se alia aos militares brasileiros. Havia no país potenciais que interessavam aos franceses...

Em alguns capítulos é abordada a maneira de se usar a tortura como arma de combate, quem seriam os inimigos e como a influência francesa fez com que a figura do inimigo interno fosse representada por comunistas, intelectuais, operários e camponeses, bem como estudantes, artistas e líderes sindicais, que eram chamados de subversivos. Havia uma forte propaganda contra o comunismo, a fim de se incutir medo e ódio na população. Notícias de morte nos jornais eram publicadas antes da morte dos prisioneiros da ditadura. A lista de desaparecidos subia de forma assustadora. Familiares eram torturados física e psicologicamente a fim de delatar o paradeiro de seus entes procurados pelos militares. Inclua aí crianças e grávidas, que não tinham suas condições respeitadas pelos homens de alta patente...

Mídias como a Veja reportavam que o presidente não admitia torturas, numa tentativa ignóbil de enganar a população, que acreditava que o país estava prosperando... 


Uma das descobertas mais impressionantes durante a leitura do livro foi o capítulo sobre Rubens Paiva e Vladimir Herzog, 'desaparecido' e 'suicidado' durante a ditadura no Brasil, casos bem semelhantes com os que houveram na guerra da Argélia em 1957: Jean Moulin, morto sob tortura pela Gestapo teve sua morte atribuída por enforcamento na prisão, e o professor de matemática Maurice Audin foi tido como desaparecido por 'evasão'. Seu corpo, assim como o de Rubens Paiva, jamais foi encontrado... O modus-operandi dos casos ocorridos na Argélia foi o mesmo aplicado a estas duas vítimas da ditadura no Brasil, que chocou a população na época, e até hoje causa revolta por parte de familiares, amigos e quem ouve falar da história...

A arma como tortura de Guerra é um livro importante a ser lido e estudado, a fim de se entender o que houve no período da ditadura no Brasil, e claro - conhecer mais a fundo sobre a Guerra de independência da Argélia, que vitimou milhares de pessoas que lutavam para se ver livres do domínio francês... É um tapa na cara dos desinformados que acreditam nas mentiras da mídia golpista, em depoimentos falaciosos de pseudo-jornalistas/intelectuais e ignorantes políticos. Mas acredito ser inocente demais de minha parte acreditar que seres ['leitores' interessados na política atual] desprovidos de cérebro operante reconheçam a importância do livro, ou que sua 'inteligência' possua os níveis mínimos de funcionalidade para interpretar bem a leitura da obra, os tais  que tem os fatos em mãos e ainda assim continuam a sustentar sua ignorância, pautada apenas por um sentimento de ódio propagado por uma Direita raivosa e sem escrúpulos, que mantém governantes claramente sujos e seus juízes 'heróis' igualmente corrompidos semelhante a Propaganda realizada contra os independentistas argelinos na década de 1950... 

Por fim, acho pertinente frisar sobre as entrevistas realizadas com os envolvidos nos processos de tortura e 'neutralização' dos interrogados [neutralização leia-se queima de arquivo, eliminação], como eles se evadiam de perguntas feitas por Leneide e outros jornalistas/historiadores, em que - por fata de argumentos plausíveis - fugiam do tema da entrevista ou davam respostas falaciosas e ao fim, acabavam confessando as arbitrariedades cometidas, após tentativas falhas em esconder a verdade...

"Era raro que prisioneiros interrogados durante a noite se encontrassem ainda vivos de manhã. Tendo falado ou não, eram geralmente  neutralizados. Era impossível enviá-los à Justiça. Eles eram muito numerosos e a engrenagem judiciária teria ficado emperrada.".


Leituras relacionadas:

Brasil Nunca Mais
O afogados e os sobreviventes - Primo Levi


9 comentários:

  1. Primeiramente, devo dizer que adorei o modo como escreve! E segundo: estou louca para ter esse livro em mãos!
    Ultimamente tenho lido e assisto á alguns documentários sobre o período da ditadura militar, e o que vi e aprendi sobre esta época é algo revoltante. O ''desaparecimento'' e ''suicídio'' dos homens citados me lembraram do ''acidente'' de Zuzu Angel que, inclusive, já se foi descoberto que fora assassinato.

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  2. Caraca!!! Que resenha!!!
    Que livro, heim. Já está na minha lista de livros desejos. Ele me lembra muito um livro que comprei recentemente "Operanção Impensável". Amei mesmo!
    Parabéns!!

    http://questionartambemeimportante.blogspot.com

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  3. Eu já tinha lido uma resenha deste livro que é de um teor histórico muito importante ainda mais porque fala sobre uma história recente. É terrível como a tortura é encarada como arma de guerra, e falando francamente, acredito que ainda continue.
    Bjs

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  4. Excelente resenha, parabéns! Esse livro deve ser lido por àqueles que querem saber um pouco mais sobre esse período tão violento da história do nosso país. Um período que causa revolta! Dica anotada.
    Beijos!
    Cidália (Contos da cabana)

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  5. Que resenha! Você está de parabéns.
    Realmente um livro que todos deve riam ler. Só assim para sentirmos mais fundo como foi esse período do nosso país. Deveria ser leitura de escola.

    Boutique de Clichês

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  6. Oii Val, tudo bem? Resenha maravilhosa, super completa e muito instigante. Eu não tinha tanta curiosidade com o livro, mas agora acho que daria sim uma chance a essa leitura! Não parece ser fácil, mas acho que vale a pena.

    Beijos!!

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  7. Oi Val.
    A história parece ser forte e muito interessante!
    É algo que eu tenho curiosidade em ler, adorei saber um pouco mais sobre a obra. Dica anotada.

    Beijos
    http://aventurandosenoslivros.blogspot.com.br/

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  8. Olá tudo bem? A história parece ser uma coisa bem instigante e eu gosto disso em livros. São assuntos que temos que ter interesse porque é nosso passado. Dica anotada!
    Beijos,
    diariasleituras.blogspot.com

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  9. Oi, Maria ^^
    De fato, desconhecia essa obra até pelo fato dela ter teor histórica/documental do que ficcional, mas eis minha surpresa ao ler sua resenha do início ao fim e gostar do que li. Engana-se quem pensa que livros não ficcionais são chatos. Tenho um livro fala sobre a Guerra Fria e pense numa leitura prazerosa que ele transmite.
    Me era desconhecido os métodos de tortura dos franceses. Parando para pensar, é questionador a maneira como os militares torturava, era de se esperar que houvesse alguém que os havia ensinado como arrancar informações mas tais dados são não ditos em salas de aula, você pega sorte em descobrir na faculdade quando alguém assunto pode servir de gancho para tais assuntos.
    Outro dado que me deixou agora muito surpreso foi esse do jornalista Vladimir ter recebido o laudo de morte igual ao do cara da Argélia. Definitivamente esse é assunto que precisa ser discutido e sempre lembrado. Tenho certeza que o Vladimir não foi morto! Se foi é porque houve algum ato extremista que o levou a pular nessa decisão.
    Com certeza colocarei essa obra na minha lista de Quero Ler lá no Skoob. Desejo muito essa leitura ainda mais que sou estudante de jornalismo então já, qualquer leitura é válida e arma para debate.
    Enfim, parabéns pela resenha e por trazer uma temática que de fato aconteceu para dar um tapa na cara daqueles que acredita que a ditadura não ocorreu no Brasil.
    Bjs

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