Uma Cuba efervescente como palco de uma amizade improvável... Fabián e o caos, de Pedro Juan Gutiérrez


Pedro Juan Gutiérrez é um dos nomes mais benquistos em meu Acervo Particular... Ler algo que ele escreve é como acariciar uma bomba prestes a explodir. Choca, perturba e me deixa inquieta. Sempre. E pra ser bem sincera, adoro a sensação...

Sobre Fabián e o caos, sua mais recente obra publicada pelo Selo Alfaguara da Companhia das Letras, preciso dizer algo: dilacerante. Me senti em pedaços, juntando cacos de vidro entre lençóis, ao concluir suas quase 200 páginas...

Fabián desde muito cedo aprendeu que ser o que desejava poderia lhe trazer problemas. Não apenas pela sua orientação sexual: um gay na década de 1960 numa cuba revolucionária, como pelo fato de adorar tocar piano, chegando a ganhar uns trocados durante o auge do regime político cubano. Herdou essa paixão e vigor pelo instrumento devido à sua mãe que o pariu tardiamente, com mais de 50 anos, para assombro de seu marido que nunca desejou filhos pois o gasto seria demais, e ele vivia de contar moedas, e nunca gastar: um típico sovina. Mas a revolução veio e confiscou seus bens...

"Fabián começou a ouvir a música do piano quando ainda era um feto boiando na barriga da mãe. Todo santo dia. Ele nunca chegou a saber, mas aquelas canções infantis tão simples ficaram gravadas no seu subconsciente para o resto da vida."

Pedro Juan não queria trabalhar, não era de estudar e desde muito cedo aprendeu a se defender na escola, quando os meninos maiores tentavam lhe bater. Gostava de brigas, aventurar-se pelas ruas da cidade, e quando descobriu o sexo, com uma garota mais velha, percebeu que não queria outra coisa na vida. Seu destino cruzou com o de Fabián, mas depois de uma discussão se separaram por anos...

Ainda jovem Pedro se sentia deslocado das convenções religiosas impostas pela sociedade, perdia-se em devaneios e procurava fugir da espiritualidade. Não havia limites para sua impetuosidade e seus caminhos se tornavam mais e mais tortuosos a medida em que crescia e sentia o cheiro de liberdade. 

"Meu projeto de vida era antagônico à religião."

Ao longo da narrativa de Gutiérrez, Fabián e Pedro Juan viviam em mundos particulares e paralelos até que o regime de Fidel Castro os coloca frente a frente, trabalhando numa fábrica de enlatados. A amizade entre os dois é fortalecida. Buscam apoio e tentam sobreviver numa pátria que não aceita suas condições 'peculiares' com relação ao restante dos cidadãos cubanos. A 'perversão' do sexo não é bem vista, foge aos padrões ideológicos do país e vivendo como párias, eles buscam liberdade, cada qual à sua maneira. 

Ao longo da narrativa há várias cenas descritas com extrema escatologia, que vão do abate de animais ao sexo agressivo, entremeando com os problemas existencialistas e familiares dos protagonistas. As relações de amor que dão errado, as que dão certo por algum tempo, a hipocrisia justificada pela religião, personagens imersos na lama da mesmice e miséria, banhados pela loucura [suas e alheias]. Indivíduos sem perspectivas, inertes à espera da morte que não se apressa em chegar. Mas diferente de Fabián, Pedro Juan ainda luta contra esse marasmo...

Ambos os protagonistas são opostos, uma espécie de paradoxo do caos e tédio. Visões diferentes que compartilham da mesma repressão; polos positivo e negativo da sordidez das ruas mal-cheirosas de Cuba... O autor ainda tece críticas às instituições religiosas, simbolizando arquétipos dos sete pecados em vários momentos da narrativa ou em características de alguns personagens. Entretanto, sua narrativa consegue ser direta, sem preâmbulos - apesar de tamanho simbolismo. Os personagens são figuras desgastadas pelas agruras do tempo e se conectam num cenário inóspito do regime político da época... A sexualidade é aflorada e perversa, mas possui notas de melancolia...

O impacto corrosivo-poético que me afetou ao longo da leitura se fez cruel em seu desfecho. Ao virar a última página me vi perdida, devaneando, engolindo em seco a fim de digerir a ideia de me encontrar solitária nesse vasto mundo... Descrever numa metáfora a sensação que a história me causou ao fim dela seria como visualizar um adeus em meio a pingos de chuva...

10 comentários:

  1. O impacto corrosivo-poético que me afetou ao longo da leitura se fez cruel em seu desfecho. Ao virar a última página me vi perdida, devaneando, engolindo em seco a fim de digerir a ideia de me encontrar solitária nesse vasto mundo..


    Mulher, que isso? Como não ler esse livro agora? Ameiiii! Não conhecia, mas vou procurar pra ontem! Você escreveu muito bem! Parabéns!

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  2. Olá lindona,
    amei essa resenha, o final deve ser de uma emoção gigantesca. Amei sua resenha.
    Beijocas.

    meumundosecreto

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  3. Olá minha amiga, tudo bem?

    Particularmente eu não conhecia a obra ou o autor. Segundo, adorei a sua resenha, ficou muito boa e me instigou, me criou uma vontade de ler a obra. Ah e a capa é bem viva, gostei das cores! Fico feliz que tenha gostado da leitura!
    Bjus!

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  4. Ótima resenha de, ao que me parece ser um bom livro. Não conhecia o autor e vou pesquisar mais sobre, pois gostei do que li da sua resenha sobre essa obra.

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  5. Oi, Maria!
    Adorei ler sua resenha! "acariciar uma bomba prestes a explodir" vai ficar na minha mente para sempre...kkkk...
    Fiquei intrigada com a trama do livro. Numa Russia dos dias atuais que ainda não aceita homossexuais, acho que deveria ser um filme de terror ser gay em Cuba no auge do comunismo.
    Beijos!
    Gatita&Cia.

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  6. Adoro livros que misturam ficção com um contexto histórico interessante. O livro parece ser bem legal, mas não sei se seria a leitura ideal para mim nesse momento, por conta dos sentimentos que a obra parece causar, rs. Mas valeu a dica!! Flores no Outono 

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  7. Nossa Valéria quando me deparo com esse tipo de narrativa intensa e profunda fico me perguntando se tenho capacidade para entender os fatos, mas fiquei bem curiosa com o fato de não conhecer o autor e por ser uma obra que fala sobre uma época bem complicada. Vou deixar a dica anotada. Bjkas

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  8. Oi, tudo bem?
    Nossa, não conhecia este livro. Acho que ler um livro sobre o início do regime do Fidel Castro e como tiveram mudanças na vida das pessoas bem intenso.
    Gostei muito da sua resenha!
    Beijos, Larissa (laoliphant.com.br)

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  9. Já tinha ouvido falar do autor, mas não do livro. Que resenha boa a sua! Me deixou curiosa! Parabéns, escreva mais e mais sobre livros assim.

    Carolina Gama

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  10. Oii, tudo bem?
    Esse não é o tipo de livro que eu costumo ler, não que eu não goste, apenas prefiro outros generos. Mas gostei bastante da forma que você expos o conteudo do livro.
    Parabéns pelo blog.
    Abraços Mary do blog Leituras da Mary

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