Regresso à casa - José Luís Peixoto


 

A embarcação de Ulisses pode ser uma bicicleta ou um táxi, não importa, pode ser um passeio a pé, de mãos nos bolsos. 

Em tempos de pandemia, Peixoto nos presenteia com uma obra em versos que falam sobre confinamento, solidão e memórias evocadas nesses momentos. A lembrança de aromas, família, percepções e vivências, viagens e souvenires. Evoca Ulisses em sua viagem de retorno à pátria, colecionando emoções ao longo da jornada que tem como única finalidade retornar à segurança do lar. 

A casa que o poeta regressa não é necessariamente um lar, no sentido literal, mas uma alusão à literatura, ao poético de seus escritos, após uma lacuna de alguns anos sem publicar poemas. Nessa epopéia-odisséica, voltar para a Ítaca das ideias, dos versos impregnados de paixão, parece uma tarefa simples aos olhos do leitor, mas trata-se na verdade de um relato pungente e introspectivo, que revolve as entranhas de quem o lê, por certamente encontrar-se em condição semelhante; em especial aos aventureiros de espírito livre, que tiveram o prazer do ir e vir negado por uma condição biológica à nível global, que pôs a humanidade do século XXI em estado de lockdown. 

Percorremos o território de Galveias - terra natal do poeta -, China, Tailândia, adentramos em sua casa através de uma janela materializada em nossa mente através de suas descrições íntimas. Viajamos através do espaço-tempo de palavras que se desvelam a cada página em formato de memória, evocação de cheiros e sabores, de livros empoeirados numa estante e chá perfumado, que embala o sono profundo de um cão idoso. 

Ao fim da leitura, sentimos que o retorno à casa é um retorno a nós mesmos, às viagens que também fizemos, aos passeios que planejamos, ao silêncio de nossos quartos, à mesa partilhada com parentes num feriado ou domingo. Não é apenas a casa de José Luís Peixoto, é a morada de tantos outros Josés, Marias, Felipas e Valentinas, Vi[c]tórias e Luíses, Peixotos ou não. Voltar/regressar à casa é um barco velejando à Ítaca/Galveias. Permanecer numa casa em meio ao caos lá fora é parte da aventura de Ulisses...

Acredito que estou aqui, rodeado por mobiliário, volumes de poesia completa nas estantes, um cão velho a dormir profundamente, chá que arrefeceu há muito tempo e se transformou apenas na calma flutuante do seu perfume.






10 comentários:

  1. Gostei muito da postagem! Não conhecia esse livro, mas gostei bastante das suas observações!

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  2. Recomendações bem pontuadas. Vou procurar pelo livro :) "Retornar para casa e retornar para nós mesmos". (:

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  3. Estou adorando as dicas aqui do blog, nunca li nada de Peixoto, mas estou super curiosa pelo livro, espero ter chance de conhecer mais a fundo seu trabalho!

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  4. Oi Val!

    Adorei conhecer este livro através da sua opinião.Fiquei com muita vontade de lê-lo, especialmente por causa dos temas mencionados no livro. Espero ter a oportunidade de conhecer a escrita do autor em breve, além de ter amado a capa. Parabéns pela resenha.

    Bjos

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  5. Esse é um baita livro que li e reli me um dia e já quero ler novamente, aliás, nunca me decepcionei com a escrita do autor.

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  6. Oi, tudo bem?
    Eu não conhecia o livro ainda e nem o autor, mas me pareceu uma leitura muito tocante. Gostei muito dos temas abordados e parece que o autor escreve sobre eles com muita sensibilidade. Adorei a indicação e fiquei curiosa para conhecer a obra.
    Beijos!

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  7. Olá, tudo bem? Parece emocionante o título, ainda mais quando acoplado ao momento atual que vivemos em sociedade. Com certeza essas temáticas deve nos sensibilizar e ampliar a mensagem que o autor quer passar. Adorei a dica e espero um dia poder conhecer!
    Beijos

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  8. Olá,
    Interessante as analogias. Comparar a casa com algo abstrato como a literatura achei bem diferente, dá um novo sentido a todo o resto.

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De Bukowski a Dostoievski. Ana Cristina César a Lilian Farias. Deleite-se com a poesia de Florbela Espanca e o erotismo de Anaïs Nin...
Aforismos, devaneios, quotes dispersos e impressões literárias...um baú de antiguidades e pós-modernismo. O obscuro, complexo, distópico, inverso... O horror, o amor, a loucura e o veneno de uma alma em busca de liberdade...

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