Assombrações do Recife Velho - Notas históricas, folclóricas e sobrenaturais no passado recifense
Com ares de crônica local, Assombrações do Recife Velho - Algumas notas históricas e outras tantas folclóricas em torno do sobrenatural no passado recifense foi escrita em 1951 por Gilberto Freyre, que na época era diretor do jornal A província, encarregando seu repórter policial e investigar casas com histórico de assombração. Juntando a esse material investigativo, as estórias contadas pelos moradores mais antigos de bairros sombrios da capital pernambucana, criou-se o material que tenho em mãos, obra riquíssima da sociologia do sobrenatural, que em muito contribuiu para a cultura oral do estado...
A edição prefaciada por Mary del Priore, aclamada historiadora, já mostra a que veio a obra, discorrendo sobre mitos religiosos antigos, conceitos de bem vs mal, estudiosos que outrora abordaram a temática em obras importantes, etc... Os mitos estão impregnados no imaginário pernambucano e remetem a épocas distantes, desde a Idade Média, e que - com o passar dos séculos - foram se adaptando de acordo com a sociedade em que são ambientados.
Cenários como casarões abandonados, riachos, poços e istmos, ruas calçadas com pedra, iluminadas de maneira precária e árvores frondosas e de copa alta, ganham aspecto fantasmagórico nas lendas e relatos de pessoas diversas, que vão do poeta escravo de tempos longínquos a senhores distintos da sociedade recifense do século XIX/XX, de mucamas a crianças amedrontadas ou homens jovens voltando do trabalho ou de festas tarde da noite...
A religiosidade anda lado a lado do imaginário popular. Segundo o Cristianismo, o diabo é a força de todo o mal.
"Desde o século XII,a coisa ficava assim equacionada: o diabo era a causa de tudo. Deus poderia ter dado ao anjo decaído o poder de infiltrar-se nos cadáveres. A explicação literalmente canônica subentendia que as assombrações podiam deixar suas sepulturas, instigadas por Satã, que o diabo era capaz de animar em seu próprio receptáculo, ou seja, o cadáver.".¹
Fantômes et tevenants au moyen âge e Au-delà du merveilleux - Essai sur les mentalités du moyen âge [Claude Lecouteux]
Estudiosos da Antiguidade já relatavam em suas obras fenômenos de origem não-natural, misteriosa e desconhecida como sendo aspectos oriundos da mitologia desses povos. Figuras como a cabra-cabriola, Bicho-Papão, Cabeleira, procissão dos mortos, Lobisomem, almas penadas de sinhás brancas que morriam de doença misteriosa ou febres, negrinhos em encruzilhada ou entidades como Exus são algumas das aparições mais comuns que assombravam as horas mortas de Recife, e se imortalizaram ao longo das décadas a partir da oralidade - passada de geração em geração - a fim de não deixar morrer os costumes da sociedade, mista de culturas negra, indígena e européia...
Os capítulos se dividem caso a caso, em alguns deles percebem-se caracteristicas de 'moral da história' - que seguindo os preceitos cristãos o mal não lhe atingirá. Outro ponto forte nas lendas apresentadas são as botijas, que se fossem arrancadas pelo morador da propriedade poderia fazer o fantasma seguir em paz e enriquecer quem resgatasse o ouro... Esse tipo de estória era bastante comum até uns anos atrás, em minha infância. Na parte final, os capítulos falam de casarios específicos, mas Freyre tomou cuidado em não revelar exatamente os endereços, situando sem muitos detalhes onde se localizava tal residência...
A cidade de Recife é um fantasma gigante e coletivo de séculos de idade, permeado de causos e criaturas do além, que atravessam o tempo e mesmo ameaçados pela modernidade, ainda pairam no ar, em conversas de foro íntimo, em noites longas onde ainda se podem ver estrelas no céu... quando as luzes da própria cidade não as ofuscam de quem se arrisca olhar pra cima a procura delas...
"O Recife de hoje, donde a luz elétrica e o progresso mecânico não conseguiram expulsar de todo essas sombras e essas visagens, essas artes negras e essas bruxarias, ainda tem alguma coisa no antigo. Seus grandes sobrados vêm resistindo aos arranha-céus como senhores arruinados da terra a intrusos ricos. Demolidos, às vezes parecem continuar de pé como se tivessem almas fazendo as vezes dos corpos. Almas não só de pessoas mas de casas inteiras parecem vagar pelo Recife. Almas de sobrados. Almas de igrejas. Almas de conventos velhos que não se deixam facilmente amesquinhar em repartições públicas. As almas dos três arcos estupidamente postos abaixo."
O livro ainda conta com dados bibliográficos de Gilberto Freyre, bem como ilustrações ao longo da edição, dando um ar mais soturno a obra... Assombrações do Recife Velho é essencial para se adentrar nas casas velhas, sobrados, cemitérios e igrejas antigos, que contam muito da história pernambucana dos séculos 18 e 19, e dá ao leitor uma ideia da riqueza cultural preservada na sociedade recifense até os dias recentes...
"Quando no silêncio das antigas noites recifenses se ouvia longe, por trás de velhos sobrados, um choro mais triste de menino, era quase certo que a cabra cabriola estava devorando algum malcriado, algum desobediente, algum respondão."
Olá,
ResponderExcluirDesconhecia a obra e achei a capa muito bonita e creio se enquadrar bem no conjunto da obra.
A premissa é interessante e bem embasada. O que mais chamou minha atenção é que em alguns dos casos é possível observar "moral da história" e algum ensinamento!
Anotei a dica para no futuro tentar fazer a leitura.
LEITURA DESCONTROLADA
Que legal esse livro Val!!! Aqui no meu Estado também existem trabalhos do tipo e de vez em quando alguém conta alguma história assustadora sobre o passado da cidade. Adorei conhecer essa obra, pois ela guarda um pedaço da noa história e da nossa cultura. Bjs
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirNunca tinha visto nada a respeito desse livro, uma pena que o enredo não me atraiu.
não tinha como atrair mesmo, o livro não possui enredo...
ExcluirOlá tudo bem?
ResponderExcluirEste livro não é muito a minha praia.
Então vou deixar a dica passar.
Hey! Adorei a ideia da postagem, todavia confesso que a temática do livro não me chamou muita a atenção, quem sabe arrisque a leitura em um outro momento.
ResponderExcluirParabéns pelo blog. Um grande abraço!
Não conhecia o livro mas curti bastante a premissa, acho que esse tipo de história tem que ser preservada, todos os lugares têm histórias assim que podem acabar se perdendo, infelizmente mesmo que as pessoas mais velhas estejam dispostas a contar e manter as narrativas vivas nem todos estão dispostos a ouvir, então acho bem legal conservar isso de mais uma maneira.
ResponderExcluirBasicamente o livro mistura história, crenças religiosas e assombrações de recife kkk, gostei dessa mistura, parece boa de ler, não sei se eu teria coragem mas tentar nao mata né? kkk
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirAdorei o novo visual do blog, muito lindo!
Eu não conhecia o livro, e achei muito legal essa obra, não sou de ler livros do gênero, e quando decido ler, a obra não me assombra em nada, mas esses contos urbanos são de dar medo rs' e eu sempre fico atraída, mas acaba deixando pra depois. Gostei de saber mais e nunca imaginei um recife assombrado rs' espero ter oportunidade de conferir!
beijos!
http://blogdatahis.blogspot.com.br
PRIMEIRAMENTE: QUE SITE MARAVILHOSO, AMEI TODAS AS REFERÊNCIA SHAHAHA amei o post, eu não conhecia sobre esse lado sombrio do recife ahhaha estou louca para ler!
ResponderExcluirOlá Maria Valeria! Amei a indicação do livro, nunca tinha ouvido falar, porém me deixou bastante curiosa sobre, já que fala sobre crenças, histórias e tradições, além de ser ambientando no ambiente brasileiro, já que é outra cidade diferente pode ter aquele regionalismo e estou louca para lê-lo, além do mais sua resenha foi bastante divertida e interessante de ler.
ResponderExcluirBeijos