Os belos contos marcantes de Antonio Viana, em Jeito de matar lagartas

Falar que a escrita de Antonio Carlos Viana é maravilhosa ainda não faz jus ao seu talento como escritor. Os contos que compõem Jeito de Matar Lagartas nos desvelam cotidianos tidos como banais à primeira vista, mas que se mostram bem mais profundos à medida em que avançamos na leitura por tocar em assuntos como envelhecimento, solidão, sexo ou a falta dele, entremeados e inseridos em personagens marcantes e marcados pela dureza da vida.

O distanciamento que os narradores mantém ao contar cada história é proposital, e mesmo assim o leitor sente o quão mergulhados ali eles estão. Os textos trazem secura, avivam a crueldade dos personagens e ao mesmo tempo, passam certo ar de silenciosa discrição.

Os personagens não possuem tantas falas. Mas nos revelam demais com seus gestos, suas dores, vivências e nós na garganta. E nos cativam por essas pequenas particularidades. Em A muralha da China, a morte ronda o conto pela perspectiva de duas crianças, que precisam agir com naturalidade para que a vizinha não descubra por meio delas que o marido e o filho que esta esperava voltar de uma viagem, virão dentro de caixões, porque sofreram um acidente na estrada. 
Dona Katucha adora sexo, mas a idade 'chega para todos' e os sinais da velhice lhe atingem, apesar dela manter seu vestuário de quando ainda tinha as carnes mais duras e tenras, e não esse atual monte de pele flácida e caída que ela tem como corpo. Em Cara de boneca, o autor faz uma crítica interessante sobre a sexualidade florescendo na adolescência dos meninos de bairro, que têm suas primeiras experiências com travestis e afins, mas que todos preferem 'fazer vista grossa', sabendo do que acontece mas tentando manter as aparências que as convenções sociais nos impõem.

Madame Viola achou que enterraria o marido depois de uma notícia vista na TV. Planeja um roteiro com base numa suposta notícia que a qualquer momento chegaria em sua porta. Mas a morte - e a vida - pregam peças...

As margens férteis do Nilo é daquelas histórias de paixões pela professora na adolescência. Quem nunca vivenciou ou soube de alguém que passou por isso? Antonio Viana escreve ficção que beira o real. Cria personagens que podem viver na casa ao lado da nossa, que frequentam o mesmo bar que nós mesmos ou situações que vivenciamos, presenciamos ou ouvimos falar.

A riqueza de seu texto vai além. Nos choca enquanto nos insere. Nos retrata enquanto lemos. Nos revolve lembranças, nos envolve em estranha melancolia, nos faz matar lagartas. ou sapos. insetos. Nos revela o mais banal e mais visceral de nós mesmos.

15 comentários:

  1. Esperando o post sobre a Betty :( rsrs

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  2. Olá!

    É muito bom quando nos envolvemos com a narrativa do autor e ele nos insere dentro do livro.
    Apesar de não fazer muito meu estilo de leitura, são histórias bem "reais", ainda mais essa a respeito da paixão pela professora e a da velhice!

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  3. Ola não conhecia o livro e lendo os postos destacados em sua resenha, a intensidade está presente nos contos e cham muito minha atenção. Dica mais que anotada. abraços

    Joyce
    Livros Encantos

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  4. Que legal que é quando a gente gosta de ler sobre o cotidiano de uma forma diferenciada. Achei curiosa a descrição sua sobre o conto da mulher que esperava enterrar o marido por questão de uma notícia.

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  5. Esse homem foi um gênio com uma grande história que lutou para ser reconhecido como escritor, pena que o perdemos, seu coração não suportou a maldade mundana. Não tenho esse livro dele, esperando uma promoção para comprar.

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  6. Olá!
    Não conhecia o autor, mas é legal ver que seus textos foram importantes e cativam, envolve o leitor pelo realismo que imprime.
    Certamente me agradaria ler e conhecer mais da obra do autor.
    Beijos!

    Camila de Moraes

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  7. Olá, Maria Valéria.
    Adorei o seu post e consegui ter um pequeno vislumbre da obra do autor! Pela sua descrição, me pareceu ser aquele tipo de livro obrigatório! Já quero!! Vou ficar de olho para conseguir um exemplar! Obrigada por essa dica!
    beijos
    Camis - blog Leitora Compulsiva

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  8. Eu amo contos! Estas narrativas curtas e por vezes tão viscerais. Minha paixão pelos contos surgiu forte com o Machado de Assis e desde então tenho comprado mais coletâneas e me dedicado mais a leitura de contos de autores variados.

    O que desperta nossa atenção para esta coletânea é justamente o "real", ser algo que pode perfeitamente acontecer, em nossa casa, na casa ao lado, com algum conhecido. Fiquei particularmente interessada no conto A Muralha da China por abordar um tema tão doloroso que é a morte.

    É claro que vou apostar neste livro! :)

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  9. Eu ainda não tinha ouvido falar deste livro, mas você o descreveu de forma tão visceral que só me resta comprar agora mesmo. Adorei!!!
    Beijos

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  10. Olá, gostei bastante de conferir suas impressões a respeito da obra, eu não conhecia o autor e fiquei bastante feliz com a obra em si graças a você. Tenho certeza que vou me emocionar bastante durante a leitura, dica anotada!

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  11. Eu não curto muito livros com poucos diálogos, mas esse em específico me interessou bastante. Adoro contos, e fiquei curiosa para ler.
    beijos

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  12. Adoro contos, mas não sabia que este livro trazia esse gênero literário em suas páginas. Já tinha visto esse livro por aí, mas não sabia do que se tratava. Gostei de saber! Vou considerar ler esse livro quando cor possível!

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  13. Achei bacana esse livro, confesso que me despertou a vontade de conhecê-lo melhor. Quem sabe em uma leitura futura.

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  14. Olá, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia esse autor e nem o livro, mas parece ser uma leitura bastante intensa. Pelo que percebi, os contos parecem ser bem construídos e profundos, tocando profundamente o leitor.
    Não sei se é uma leitura que eu faria no momento, mas adorei conhecer a sua opinião e vou anotar a dica.
    Beijos!

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  15. Oi tudo bem?
    Não conhecia a obra e nem o autor, mas gostei de conhecer atráves dos seus olhos e saber sobre distanciamento que os narradores mantém e os personagens não possuem tantas falas, nos contos que leio geralmente é o inverso que acontece e gostei desse diferencial
    bjos

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