[HQ] Notas sobre Gaza, de Joe Sacco

Devo ter um instinto masoquista dentro de mim que não desiste de leituras densas de fatos reais causados pelos conflitos de guerra. Acredito que seja minha porção historiadora que sempre se recusa a ignorar nossa situação política a nível global... E apesar de trazer as impressões acerca de uma obra que aborda acontecimentos de décadas atrás, é inegável que tais acontecimentos se refletem até a atualidade nas áreas descritas na história. 


Notas sobre Gaza me chegou em mãos graças a parceria com a Editora Companhia das Letras, pelo selo Quadrinhos na Cia, e trata-se de uma verdadeira pesquisa realizada pelo jornalista maltês Joe Sacco, que possui outros quadrinhos do gênero, cobrindo matérias em várias partes do Globo, mostrando um lado que geralmente é ocultado pela mídia ocidental. 

É uma história que narra acontecimentos ocorridos no ano de 1956 na região de Gaza, através de depoimentos de pessoas que vivenciaram o horror dos massacres contra os árabes por parte dos soldados israelenses. Na verdade, dois acontecimentos históricos são abordados em Notas sobre Gaza: o primeiro deles nas cidades de Khan Younis e Rafah, onde centenas de civis foram assassinados durante uma incursão militar que seria divulgada apenas como uma operação para capturar guerrilheiros palestinos, como de costume. Segundo os dados recolhidos nos relatórios da ONU, a situação saiu de controle porque os soldados se depararam com uma multidão que tentava fugir. A versão do primeiro-ministro israelense é que houve um confronto com rebeldes armados e por isso se deu o embate. Curioso ressaltar que do lado israelense não houve uma baixa sequer...


Até os dias de hoje a população palestina vem sofrendo com perseguições políticas e de cunho religioso e a faixa de Gaza se revela um verdadeiro barril de pólvora devido aos conflitos existentes entre palestinos e judeus. Sacco adentrou no cotidiano de refugiados, pessoas que perderam seus lares e parentes, recolhendo histórias e fazendo uma análise documental, certificando-se que as versões estariam mais próximas possíveis da realidade dos acontecimentos. Por se tratar de oralidade e memória, muitos fatos precisavam ser verificados e depoimentos conferidos com outros para se atestar a veracidade dos dados e informações. 

Com um traço bastante característico já conhecido em suas outras obras, Sacco disponibiliza um panorama dolorido do cotidiano de civis que convivem diariamente com o medo e que sobrevivem a duras penas num ambiente hostil e repleto de dificuldades, onde a população é execrada e minada pela violência das abordagens do exército, pela falta de saneamento básico, alimentação e água, elementos básicos para se viver com dignidade. 

Mesclando passado e futuro, algumas analogias são feitas em cenários que testemunharam chacinas do povo palestino e que atualmente - senão pela memória preservada dos moradores antigos - seriam apenas locais onde hoje as pessoas esperam numa fila qualquer por algum serviço público, sem sequer imaginar que anos antes, tais locais foram palco de morte e humilhação. Algumas cenas retratadas no quadrinho são fortes e perturbadoras, levando um leitor mais sensível a ter o estômago revirado e o sentimento de angústia e indignação saltando pela boca...


Através de uma linguagem simples aliada a desenhos de fácil compreensão, a obra em momento algum pode ser classificada como rasa por causa dessas características. Ao contrário, sua linguagem sem ares acadêmicos possui o que uma matéria de jornal precisa ter para impactar o leitor/espectador: objetividade e foco nos pontos centrais que tecem o panorama da noticia. Fugindo do sensacionalismo, Sacco choca com sua linguagem crua e sem preâmbulos. É o fato puro e simples, sem recortes grotescos ou falsa neutralidade. 

Toques de recolher, homens retirados à força de suas casas na presença de suas famílias, valas cavadas para enterros coletivos, demolições, ataques suicidas de homens-bomba, fome, falta de perspectiva futura e caos são algumas das condições impostas aos palestinos que habitam a Faixa de Gaza. O próprio jornalista se viu em apuros em determinadas situações, que poderiam ter saído de controle e causado sua morte apenas por estar acompanhado dos perseguidos pela munição israelense... 


Ao fim do volume de mais de 400 páginas, temos um apêndice com informações extras e fontes utilizadas pelo autor para dar maior base à sua pesquisa. Pesquisar, desenhar, roteirizar, ambientar e contextualizar esse compilado mostra o esmero de Sacco em nos mostrar um trabalho sério e responsável sobre um capítulo de nossa História que - infelizmente - ainda está longe de receber um ponto final, e que se repete num conflito que dura séculos e traz a desgraça de muitos civis até hoje, asseverando o velho e certeiro ditado de que A História é cíclica, e que se não aprendemos com ela, ela tende a se repetir de maneira trágica...

21 comentários:

  1. Oiii Maria tudo bem?
    Que demais essa história em quadrinhos menina, gostei muito de saber a sua opinião e sei que seria um presente também pra mim ler, gostei do enredo e do assunto abordado.
    Beijinhos

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  2. Olá, tudo bem? Não sou lá a maior fã de história, porém este livro conseguiu me deixar bem curiosa pra lê-lo, principalmente por ser em quadrinhos, hehe. Adorei a resenha!

    Beijos,
    http://duaslivreiras.blogspot.com.br/

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  3. Confesso que não é o tipo de história que eu goste, minhas leituras são sempre mais leves, por isso vou pular a dica. Mas adorei sua resenha!

    Um beijo, Pri :*

    Por Amor Aos Livros

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  4. Olá!
    Não curto muito ler Hq, já tentei algumas vezes, mas esse estilo não me prende muito..
    Mas a resenha ficou muito boa!

    www.ooutroladodaraposa.com.br

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  5. Olá!
    Eu tenho essa compulsão também por histórias sobre guerras ( todas).
    Mas não me considero masoquista não! rs Acho que é mais procurar entender não só politicamente mas o que mais me chama a atenção e me querer ler sempre mais são as ações das pessoas que passam ou passaram pelas guerras.
    Eu preciso adquirir o hábito de ler em quadrinhos.
    Parabéns pela resenha!
    Bjs

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  6. Olá!
    Essa deve ser uma daquelas obras impactantes né. Acho que só pelo tema já dá pra sentir a intensidade.
    No entanto, não sou muito fã de leituras que rementem a guerra e ao sofrimento que gerado dela.
    Mas gostei de conhecer mais sobre essa leitura que eu ainda não conhecia.
    Beijos!

    Camila de Moraes

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  7. Eu também tenho esse lado que se interessa por leituras que relatem guerras, mas não sei se teria estrutura emocional para ler essa HQ. Parece ser realmente muito intensa e gostei de ver a tua resenha.

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  8. Olá, essa é aquele tipo de leitura que todos deveriam ler,pois realmente, se não fizermos nada, pode se repetir noamente. Vou indicar a leituta para muitas pessoas e adorei a sua resenha.
    Jis Rocha
    Blog Cá Entre Nós

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  9. Acho que poucas vezes li uma resenha que despertasse tanta vontade em mim de ler algum quadrinho. Amei a proposta do livro e adoraria poder resenhar no meu blog. Assim como você, não resisto a uma leitura pesada haha
    Adorei o post e o seu blog! Se quiser parceria, estamos aí :D

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  10. Ooi! Nossa, eu não conhecia este livro. Tipo, não sou fã desse tipo de literatura, parece ser bem pesado e que deixa o leitor meio mal... ainda mais por ser algo tão real, né. Mas parece ser uma leitura bem interessante.

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  11. Oi, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia essa HQ, mas acho que deve ser um leitura muito interessante. Também gosto muito de história e adoro leituras que falem sobre guerras e fatos históricos relevantes.
    No entanto, tenho uma dificuldade enorme para ler HQs. Por mais que seja de fácil compreensão, é um estilo que não consigo me acostumar.
    Por esse motivo, vou passar a dica dessa vez. Mas que bom que foi uma leitura proveitosa para você! Adorei a resenha!
    Beijos!

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  12. Olá!

    Não conhecia, mas estou admirada com o trabalho do autor. Não leio quadrinhos com frequência, mas esse eu leria com o maior prazer, adoro esse tipo de livro!

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  13. Ola, eu por mais que fique curiosa para ler sobre isso não tenho coragem de ler mesmo que seja em HQ. Ler sobre essas coisas por mais que seja importante me deixar com vontade de chorar. Dica anotada para uma futura leitura

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  14. Oie
    livros históricos são sempre muito interessantes e gostei da ilustração desse e o enredo está bem interessante também, boa dica e resenha

    beijos
    http://www.prismaliterario.com.br/

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  15. Meu Deus que forte, que intenso. Eu não leria no momento, é o tipo de leitura ( pior ainda em quadrinho bem visual) que me derrubaria no momento que estou. Mas, parece ser uma aquisição valiosa, vou guardar a dica para quando eu estiver mais sadia mentalmente.
    Obrigada pela resenha

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  16. Essa última foto é bem tensa, e deve ilustrar bem o conteúdo da hq, eu gostaria de ler mesmo sabendo que será doloroso =/

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  17. Olá, faz tempo que não leio HQs, comecei ontem 'Screepshow', mas li somente o 1º conto.

    Adorei a dica, pois não conhecia esse.

    Abraços

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  18. Olá, amiga! Tudo bem?

    Eu adoro quadrinhos e estou lendo mais ultimamente. Achei bem interessante essa obra "Notas sobre gaza", não conhecia e me interessei pela premissa, parece ser uma leitura forte e intensa. Dica anotada!
    Bjs

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  19. Oii
    Eu não conhecia essa HQ e fiquei impressionada com o quão interessante eu achei ela. Parece ser bem pesada mesmo, gosto desse tipo de leitura, aprendo muito sobre o ser humano com leituras sobre guerras.
    Dica anotada, sem dúvidas!
    Bjum

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  20. Olá.
    Antes de mais nada parabéns pela resenha, ficou muito bem escrita e estruturada. Não conhecia o livro, na verdade nunca li um HQ principalmente com essa temática que infelizmente não faz meu tipo de leitura, mas achei muito interessante e foi bom saber que a linguagem juntamente com os desenhos são de fácil entendimento.

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  21. Oi Maria,
    Sei da importância de histórias como essas, mas me sinto mal ver as atrocidades cometidas pelos humanos contra outros seres humanos. Evito dramas reais por causa disso. Mesmo assim, parabéns pela ótima resenha. Deve ter exigido uma boa pesquisa.
    Beijos,
    André | Garotos Perdidos

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