[Resenha] - Mário Prata entrevista uns brasileiros


Numa obra irreverente e repleta de originalidade, Mário Prata consegue trazer ritmo e dar nova cor à personagens da história brasileira, desde os remotos anos do século XV até meados de 1900. Publicado pela Editora Record, Mário Prata entrevista uns Brasileiros traz nomes importantes de nossa nação, como Xica da silva, Tiradentes, Rui Barbosa, Pedro Álvares Cabral, entre outros, não exatamente nessa ordem. Na verdade, a cada entrevista, ele faz uma espécie de cronologia, onde o 'descobridor' [que não descobriu nada, na verdade] é o primeiro da roda de ilustres entrevistados, e fechando o ciclo temos Charles Miller...


O autor mistura fatos históricos com ficção numa linguagem divertida, informal, algumas vezes recorrendo a diálogos mais 'sujos', invadindo a intimidade dessas personalidades numa escrita deliciosa e de grande fluidez... São 248 páginas, mas o leitor se mantém preso a cada uma delas e quando percebe, o livro findou... Além disso, traz várias ilustrações a cada capítulo, da personalidade entrevistada...

Por vezes, os entrevistados se mostram injuriados com as perguntas meio que invasivas de Mário Prata. Várias dessas respostas arrancaram-me boas risadas... 

"- Dizem que dos treze navios que partiram do Tejo só cinco voltaram depois de passar pelo Brasil e pelas Índias. E que o senhor levou fortunas. Da Índia.
- Estou a falar com um jornalista ou com um fiscal do imposto de renda?"
Mário Prata entrevistando Pedro Álvares Cabral.

O livro é um belo compilado de etnias e variedades, temos o índio que se 'afrancesou', o bispo que foi comido por índios Caetés, o traidor Calabar, O Padre Anchieta [que virou nome de rodovia], o ex-escravo Chico-Rei, e cada um deles fala sobre aspectos de sua vida, se embaraçam pra responder algumas perguntas e tentam fugir do diálogo mas acabam voltando 'à pergunta que não quer calar'. 

"- Por falar em independência, o boato...
- Estás vendo, Chalaça, rodeia, rodeia, igual mosca de merda. queres saber das minhas defecações às margens plácidas. Queres saber? Obrei mesmo! E daí? Tu nunca obraste, por acaso?"
Prata entrevista D. Pedro I.

O que achei genial durante as entrevistas fictícias é que Prata não afirma com certeza a teoria A ou B sobre tal personagem histórico. Ele põe em pauta mais de uma perspectiva de acordo com as fontes e com o que alguns historiadores defendem, expondo, deixando 'em aberto' a possibilidade da história ter sido contada de tal forma e como ela pode ser contestada por outros que pesquisam o assunto. Como exemplo, ele questiona Tiradentes sobre ele ter deixado descendentes. Muitos livros de História afirmam que não, mas há historiadores que defendem uma linha de pesquisa em que existem pessoas que são provenientes da linhagem de Joaquim José da Silva Xavier. E vai explicando de que forma se chegou a tal tese. Quanto à resposta definitiva, se Tiradentes teve ou não descendentes, ele deixa em aberto. Ele abre/explora as possibilidades, mas não as fecha em conclusões.  

Ele traz algumas críticas sociais inseridas de maneira simbólica nas entrevistas. Uma das que achei mais claras, sem abuso de subjetividade foi o seguinte trecho, quando ele entrevista Chico-Rei:

"- Mas não precisamos falar em pelourinho, né?
- Não, todo mundo sabe o que é.
- Odeio ficar remoendo essas dores.
- Mesmo porque andam amarrando pessoas em postes novamente. Deu na Veja.
- Nem me fale."
Outra metáfora que achei mais sutil foi durante a conversa com a neta de Xica da Silva, que se faz passar pela avó, por esta sofrer de Alzheimer e elas precisarem dos cachês para se manter... 

"- E a gente precisa desse cachê, Mário. Entenda! O governo de Minas não dá nenhum tostão para nós. Nem mesmo o prefeito de Diamantina. Celebridade velha é uma merda!"

A meu ver, vi nas entrelinhas uma crítica à mídia, que detém os '15 minutos de fama' de muitos artistas, e aos que se prolongam bem mais que esse tempo, quando chegam em certo momento que não possuem mais atrativos para o público, são descartados por grandes emissoras, tendo o ostracismo como futuro certo, pois logo surgem os novos talentos, não dando espaço para esses artistas e celebridades que possuem anos de carreira uma chance de se reinventar...

Em suma, a leitura acaba sendo uma espécie de viagem ao tempo, onde o leitor pode conhecer outras facetas de grandes nomes que marcaram época e que nem sempre são bem representados nos livros didáticos. Como professora de História, achei uma proposta válida, inclusive - de utilizar em sala de aula, para instigar a curiosidade dos alunos em saber mais de História do Brasil... Não levando o livro ao pé da letra, claro, mas de maneira divertida, fazer com que busquem sempre outros ângulos de uma mesma história...





12 comentários:

  1. Oi, estou com o livro aqui para leitura e bem curiosa por sinal. Depois que li a sua resenha me deu vontade de pegá-lo para começar a leitura, se não fossem as leituras urgentes, eu faria isso agora.

    Gostei da parte em que diz que a seu ver o autor fez uma grande crítica a mídia x atores e isso realmente acontece, vi no Fantástico outro dia uma atriz desabafando sobre isso, tirando as outras que vi em outros programas mostrando a dura pena de como é envelhecer no mundo artístico e ser descartado. Estou bem curiosa com essa leitura, quero ver o que irei achar no final da mesma.

    Gostei muito da sua resenha.

    bjs

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  2. Olá!
    Que livro interessante!
    A julgar pela capa, imaginava algo completamente diferente, rs.
    Sua resenha me deixou com vontade de conhecer melhor essa obra.
    Parabéns!
    Beijos!

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  3. Oie, fiquei interessada no livro, mas acho que na livraria física perto da minha casa não vai ter, ou seja, vou ter que comprar online, porém estou com leituras na frente, mas pretendo ler esse. http://luxuosoestilo.blogspot.com.br/

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  4. Oie, Valéria.
    Esse livro não é bem algo que eu costumo ler, mas achei a ideia e a crítica dele bem interessante.
    Ele parece muito bom e eu fiquei curiosa pela leitura.

    Lisossomos

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  5. Oi ^^

    Tenho este livro aqui em casa, só esperando um tempinho para ser lido hehehe

    Bom saber o que vou encontrar nesta obra, pois estava com um certo receio em relação a leitura, já que não havia lido outra resenha antes.

    bjs

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  6. É genial e ideia desse livro. Não deixa de ser uma nova forma da gente conhecer um pouco mais sobre a sociedade brasileira, mesmo sendo ficcional. Bom, mas quem garante que os livros de história não tem muito de ficcional.

    Beijos!

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  7. Oiee Maria!
    Eu vi esse livro resenhado outro dia num blog e fiquei bastante intrigada por ele. Deve ser muito legal ver uma entrevista de Dom Pedro I ou da neta da Xica da Silva porque a velhinha tem Alzheimer hahaha Não sei se o livro tem cunho humorístico, acho que está mais para crítica e fatos históricos, pelo que li na sua resenha, mas ainda assim fico bem interessada no livro.
    Beijos!

    LuMartinho | Face

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  8. Oi Maria, tudo bem?
    Nunca tinha ouvido falar nesse livro mas achei a proposta bem interessante, não o meu tipo rotineiro de leitura mas achei interessante esse mix com personalidades brasileiras.

    Ótima resenha,

    Beijos
    http://www.lanaminhaestante.com

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  9. Olá.
    Não conhecia a obra. A capa não agradou aos meus olhos, inicialmente não é o tipo de leitura que costumo ler, a questão de mix entre ficção e realidade não é a minha primeira escolha.

    Bjs
    http://nosleitoras.com/

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  10. Oi Val, tudo bem?
    Esse livro não me interessa no momento, mas é muito interessante. Quem sabe no futuro não sinta vontade de lê-lo?
    Bjs

    A. Libri

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  11. Oiiie
    Gente, que ideia incrível :o Eu leria o livro com certeza.
    Adorei a premissa, e essas criticas por entrelinhas é algo que eu gosto muito.
    Amei sua resenha.

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  12. Não curto muito esse tipo de trama, mas para quem gosta acredito que será uma leitura e tanto.
    beijos
    www.apenasumvicio.com

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