Trevisan - um 'pássaro de cinco asas'...



Venho por meio desta postagem me redimir da heresia de nunca ter resenhado uma obra de Dalton Trevisan antes, embora já tenha falado sobre ele anos atrás, quando conheci sua maravilhosa escrita. Dalton Trevisan é um autor curitibano, que desde muito tempo é conhecido na literatura brasileira contemporânea, embora não costume expor sua imagem publicamente ou dê entrevistas. Geminiano nascido em 1925, é um dos contistas vivos mais velhos da literatura brasileira. 

"Sofria as noites curitibanas, cálice de conhaque na mão."

Recebeu a alcunha de "Vampiro de Curitiba", nome de um de seus mais famosos títulos. De linguagem concisa e crua, Trevisan narra em suas pequenas histórias cenas do cotidiano de habitantes da cidade, baseadas em pessoas reais. A escrita do autor possui certo fatalismo, e encontramos várias dessas características - que tornam sua escrita única -  na obra O pássaro de cinco asas, publicado originalmente em 1974. O pássaro de cinco asas é um misto de poesia e asco. Situações singulares e ao mesmo tempo mundanas, carregam lirismo e decadência em suas passagens. 

"No último encontro estava linda, gorduchinha, sempre fora um pouco magra. No seu ventre as delícias do prato de macarrão fumegando na mesa de domingo. Sentado na beira da cama, saciado e pronto para se vestir - todas as posições repetidas. Eis que o abraçou ternamente pelas costas, embalando-se contra ele:
- Quando vai ser todo meu?"

A linguagem coloquial utilizada por Trevisan adentra o universo do leitor, fazendo com que desperte nele sensações paradoxais - é possível sentir alegria e tristeza, esperança e desesperança, nojo e pena, luxúria e repulsa - em doses descontroláveis e inexplicavelmente bem dosadas. 

Dividido em 22 contos, os personagens dessas mini-estórias se entrelaçam ao longo da narrativa, e o leitor revisita lugares e seios 'familiares', encontrando tragédias e desalentos no desfecho de cada figura concebida por Trevisan para compor o livro. Destaque para os contos O velho da bengala, onde violência e estupro são temas presentes, A segunda volta da chave, onde o amor é descrito num caso de possível suicídio, Noites de Curitiba, de narrativa densa e pervertida e A rosa despedaçada,  que é sobre desvirginar-se e jamais esquecer um amor...

Os personagens de Dalton Trevisan são párias, malandros, sofridos, escória, doloridos - 'noturnos'... Como diria Antônio Houaiss, sobre Trevisan e sua obra:

"É preciso que cada um de nós que saiba ler se compenetre de que não terá entrado ainda no coração de nossa criação literária, se ainda não tiver lido (com pouco mais que uma dezena de outras culminâncias) Dalton Trevisan."

Sendo assim, se você se intitula amante das letras, busque a extensa obra desse vampiro curitibano. A pancada no estômago é certa...


3 comentários:

  1. Não gostei desse livro e sinceramente não curto contos! Deixo passar essa dica, mas a sua resenha é ótima.

    Atenciosamente Um baixinho nos Livros.

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  2. Olá; ótima resenha. Ainda não li nada do autor, mas tenho curiosidade para ler. Em um livro que li recentemente, o autor falava sobre ele. O vampiro de curitiba já marcou seu nome na história.

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  3. Val tu iria amar um autor que tenho como parceiro, ainda não fiz resenha dos livros dele, mas são totalmente teu estilo.
    Sobre este, me sinto tentada a ler e já guardei na lista para leitura.
    http://k-secretmagic.blogspot.com.br/
    Xoxo

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