Rebentar - dolorido e visceral...

Confesso que pela capa e seus tons de cinza eu não daria muita coisa por Rebentar, de Rafael Gallo, publicado pela Ed. Record. O que me atraiu mesmo foi a sinopse, e apesar de ter protelado a leitura por um tempo, assim que embarquei em suas páginas, senti que não voltaria ao ponto em que eu me encontrava, algo em mim se modificou...

Rebentar é sobre a história de Ângela e Otávio, um casal que vive um pesadelo de três décadas, em busca o filho Felipe, que aos cinco anos, desapareceu numa galeria quando estava em companhia da mãe. 

Com o passar de todos estes anos, Ângela toma uma difícil decisão que iria abalar a estrutura de sua família e pessoas próximas - embora já tenham sido abalados trinta anos antes - simplesmente desistir de procurar pelo menino, hoje um homem, caso ainda esteja vivo... Talvez o termo 'simplesmente' não se encaixe adequadamente aqui, em virtude de toda a dor de 'desapegar' de uma história, um quarto infantil montado em casa que jamais seria ocupado pelo dono novamente, pelas fotos, lembranças e calendários anuais do grupo de mães que procuram por seus filhos desaparecidos...

Com uma escrita fluída e ao mesmo tempo pungente, acompanhamos a trajetória de uma mãe que em meio ao sofrimento da perda, ainda terá que enfrentar certa resistência no olhar de pessoas que conviveram com seu problema, e que preferiam enxergar a figura da mãe como uma mulher dolorida e infeliz, do que tentar compreender que ela também precisaria viver, e por uma pedra nessa busca que se rendeu infrutífera apesar de todos os esforços empregados... 


Apesar da aparente resistência por parte de sua irmã Regina, de Dora, presidente do Mães em Busca e de Suzana, sua terapeuta e amiga, é na figura de Otávio e Isa, prima de Felipe, que Ângela consegue a força para levar adiante sua decisão extrema. Em momento algum, o marido a recrimina, e apesar de fazer parte do processo, como pai da criança, o foco maior do livro é na mãe, pois foi com ela que o menino estava antes de sumir na loja de brinquedos, foi ela que resolveu encerrar esse ciclo labiríntico em que se perdeu por tantas décadas, numa busca infeliz e sem esperanças... 

Um ponto importante que gostaria de ressaltar na história é sobre a história de Dora. Assim como Ângela, ela também perdeu seu filho, mas diferente da mãe branca de classe privilegiada, não recebeu assistência das autoridades como deveria uma mãe numa situação dessas. Por ser pobre e negra, viu o desaparecimento do filho ser tratado com descaso e ameaças, como se fosse uma piada de mal gosto. Percebe-se nessa comparação, o quanto a Justiça social pode ser implacável e desigual quando se é de uma classe desfavorecida...

"Matheus foi tachado, diante dela, de "mais um vagabundinho que não deve estar achando o caminho de casa, de tanta droga que enfiou na cabeça."." Mas no caso de Felipe, o caso ganhou repercussão nacional, pois não era comum alguém de sua classe ser sequestrado e 'ficar por isso mesmo'... Senti uma sutil crítica do autor nessa questão, ponto muito válido na leitura - devo ressaltar...

No decorrer das páginas, senti a aflição da mãe em desapegar de toda uma vida construída na ausência do filho. Senti a angustia de uma mãe que teve seu rebento tirado de sua existência e que conviveu com a felicidade de outras pessoas ao seu redor numa vã esperança que aquilo acontecesse em sua vida. Chorei com a despedida de um filho morto sem corpo presente...

"Eu nem mesmo sei se você está vivo ou morto. Ou o quanto viveu e de que maneira. Talvez tudo tenha acabado em questão de minutos, e nós só não tenhamos encontrado o seu corpo, entregue à indiferença da morte desde o princípio do desaparecimento. Talvez você tenha vivido mais - algumas horas, alguns dias, meses ou anos - e tenha morrido muito depois, sem saber de nós. Talvez você esteja vivo ainda. E tudo isso é tão igualmente vazio, que eu posso cair em desespero se pensar muito a respeito."

Eu diria que o livro rebentou com minhas emoções. Se eu fosse mãe, certamente não teria conseguido chegar ao fim da leitura... Você pode pensar que a história é sem graça, que não vai levar a lugar algum, mas a escrita é tão intensa e visceral que você não se dá conta de suas quase 400 páginas... Ângela precisava rebentar essa prisão em que ela mesma se encarcerou. Não foi sua culpa, nem de Felipe o destino de ambos ter sido apartado. Eles foram vítimas de uma crueldade, de alguém insensível que provavelmente pegou na mão do menino quando este se soltou da mãe. 

O desfecho não tende para um conto de fadas milagroso, como alguns podem supor. Foi real, como poderia ser na história de qualquer um. E talvez por essa característica ele tenha chegado tão perto de mim, de você ou de qualquer um que algum dia [espero que não] venha a sentir essa tristeza... 

23 comentários:

  1. Oi, flor.
    Eu quero muito ler esse livro. Sua resenha não é a primeira que li a respeito, mas é igualmente arrebatadora. Acho que o tema "perda de filho" é um grande tabu… Vemos tanta violência cometida contra crianças que, francamente, acho que nunca mais conseguiria superar se de repente um filho meu desaparecesse. Recentemente, aconteceu um caso na minha cidade de um menino desaparecido em frente de casa. Poucas horas depois, o encontraram morto e com sinais de abuso sexual. Que tragédia, meu Deus! Ao mesmo tempo, foi "rápido". Pode parecer duro da minha parte dizer isso, mas antes a violência ser assim do que a criança nunca mais voltar e a família nunca saber se esta viva ou morta, se está sofrendo ou não.
    Enfim, pretendo ler a obra!

    Beijos!
    http://www.myqueenside.blogspot.com

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  2. OI, Maria
    Ainda não conhecia o livro, mas assim como você, olhando pela capa não é um livro que atraí de imediato. Ao contrário, a trama que você apresentou parece recheada de emoções. Adoro livros que mexem com o leitor, e esse parece definitivamente ser um deles.
    Adorei, de verdade, conhecer essa obra. Vou querer ler com certeza.

    livrosvamosdevoralos.blogspot.com.br

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  3. Maria, eu já fiquei comovida com a sua resenha imagina se eu tentasse ler esse livro. a temática me conquistou, mas no momento não to podendo lidar com tanta emoção negativa. Estou precisando de leituras mais leves, podem até falar de temas mais pesados, portanto que o autor saiba maneirar nas emoções e não se tornar um livro muito deprimido (pq deprimida eu já estou, então não preciso de uma história triste pra enfatizar sentimentos ruins). Mas adorei a sua resenha e vou tentar ler quando estiver em uma fase mais emocionalmente estável ;)

    Um Metro e Meio de Livros

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  4. Karamba menina, eu ainda não conhecia esse livro e sinceramente tenho que confessar que gostei bastante da trama. Me parece ser muito bom, principalmente por conta de tudo que acontece. Imagina a pessoa perder um filho e ficar desesperado. Isso acontece né? Infelizmente. Mas o livro deve nos passar uma visão mais aprofundada do que uma mãe passa e também como é o desespero em relação a isso. Nossa, eu adorei, eu vou ver se acho pra ler..

    http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2016/01/resenha-estrelas-cadentes-nao-dizem.html

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  5. Olá!
    Nunca tinha ouvido falar sobre o livro, mas com certeza já quero ler.
    A história parece ser daquelas intensas, que nos deixam com o coração apertado e um nó na garganta. Quase dá para sentir a emoção e a intensidade que ela nos desperta.
    Acredito que quando fizer a leitura algo dentro de mim também irá mudar.
    Beijos.

    Li
    Literalizando Sonhos

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  6. Oi, Maria! Não conhecia a obra, mas, por algum motivo, me encantei com a capa. A história é mais perfeita ainda e, depois de sua resenha, fiquei louca para ler. Esse é um fato que acontece na vida de muitas famílias ao redor do mundo e é justamente como o autor pôs em sua obra: por se tratar de pessoas de uma classe social mais inferior, muitas vezes não ficamos sabendo das dores que eles passam. O tema abordado pelo autor me lembrou de um filme que assisti há tempos atrás - e que agora não lembro nome, mas quero assistir novamente -, sobre uma mãe que viu seu filho ser atropelado na frente de casa e, mesmo os anos passando, ela ficou agarrada àquela dor. Já me imagino em prantos enquanto realizo a leitura, mas amo livros que possam mexer com o leitor. A sua resenha ficou incrível e espero poder ler em breve. ♥

    Beijos,
    Fernanda F. Goulart,
    Império Imaginário.

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  7. Olá
    Eu não conhecia essa obra e concordo com você, eu não daria nada por essa capa, mas o enredo é mesmo muito fantástico. O fato da mãe está a procura do filho a tanto tempo e a esperança dele ainda estar vivo. Espero poder ler a obra e curtir muito como você. Vou anotar. Valeu pela dica
    Abçs

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  8. Oiie

    Devo confessar que quando vi a capa do livro fiquei sem dá nenhuma esperança que podia ser bom o enrendo. Maaaaaaas, quem vê cara não vê coração, amei o enrendo, essa história de mãe perder filhos, toca lá no fundo, pois é uma realidade. Fiquei mega curiosa para saber o que aconteceu no final, já que vocÊ falou que não é nada de contos de fadas.

    Bjs


    Amantes da Leitura

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  9. Se não fosse sua resenha eu nem leria a sinopse por conta dessa capa nada chamativa, é errado eu sei. Mas a história parece bastante comovente e injusta. Coitada dessa mãe que por ser negra e pobre precisou sofrer com o desaparecimento do filho. Acredito que deve ser uma leitura emocionante e que nem se vê as 400 páginas passarem realmente. Vou querer ler essa obra, valeu pela dica, e parabéns pela resenha excelente que você fez!
    www.apenasumvicio.com

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  10. Caracas, Maria!!
    Eu não conhecia o livro, mas eu adorei a premissa. Poxa, tudo o que foi dito na resenha remeteu me ao caso daquelas mães que se encontram na Catedral da Sé ( São Paulo). Elas perderam os filhos e estão lá para tentar ajuda dos superiores do Estado.
    Acredito que, assim como você, se eu fosse mãe também não teria fôlego para acompanhar tamanha dor.
    Parabéns pela resenha.
    Beijos
    Ju.
    http://nossaestantenacional.blogspot.com.br

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  11. Oi, ainda não conhecia o livro e nem a autora, mas a sua resenha conseguiu deixar meu coração mega apertado. Sou mãe e não quero nem imaginar um drama deste, por isso acho que faria essa leitura em um momento em que estivesse 100% emocionalemnte.
    Meu Amor Pelos Livros
    Beijos

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  12. Olá!

    Adoro livros que trazem temas sentimentais. E que fazem a gente refletir sobre algo que consideramos comum ou uma fatalidade, isso acontece com mais frequência do que o ideal, me refiro ao desaparecimento de crianças e jovens, e é bem verdade que as pessoas de uma classe social maior tem privilégios que os pobres não tem, e gostei de saber que o autor falará sobre isso. Mais um livro para minha listinha que não para de crescer hahaha.

    Beijos,
    http://entreoculoselivros.blogspot.com.br/

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  13. Oie!
    Realmente, só de ler a resenha já fiquei com o coração na mão, imagina se eu ler esse livro? Nossa, vou terminar a história do livro desesperada! Eu fiquei a imaginar o sofrimento da familia ao longo dos anos, cada sensação de impotência que essa mãe viveu. É um livro para ler e aproveitar cada um dos momentos.
    Bjks!
    http://www.historias-semfim.com/

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  14. Ooi,
    Eu amei a capa em preto e branco e a temática dele também. Não sei se conseguiria ler no momento mas com certeza ele entrou para minha lista depois dessa resenha incrível que você fez!
    Corujas de Biblioteca

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  15. Não sei se leria, me parece ser muito dramatico e não supor livros assim. E ser levada assim por 400 páginas?
    Não aguentaria, com certeza (como me conheço) iria largar nas primeiras 100 páginas! Esta é uma leitura que indicaria para minha professora, ela adora livros assim, pena que não tenho mais contato com ela.

    Karine || Ainda Me Livro

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  16. Oii
    Eu não conhecia o livro. Mas me interessei de primeira! Sou mãe e imagino a angustia que sentirei ao ler o livro! Gosto muito de livros com finais bem reais! Isso traz o livro mais para perto do leitor. Um livro que com certeza lerei!
    Bjus

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  17. Não conhecia o livro, nunca havia visto ou visto alguém falara dele. Confesso que a capa não me chamaria a atenção, mas gostei da sinopse. Também não tenho filhos, mas sou mega emotiva. Então, pelo que você diz, acho que eu tereia que escolher muito bem o momento de leitura desse livro. Mas sem dúvida nenhuma, fiquei muito interessada. Obrigada pela dica.

    ;D
    Profissão: Leitora

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  18. Oii, tudo bem?
    Eu ainda não conhecia o livro ou o autor, confesso que a capa não me chamou muito a atenção, mas a premissa dele a sua resenha são surpreendentes. Fico feliz que o livro tenha te tocado, e espero ter a oportunidade de o ler algum dia.

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  19. Oi Maria, sua linda, tudo bem
    Não conhecia esse livro, mas através de suas palavras, percebi que o autor irá nos alcançar com o sofrimento dessa mãe. Primeiro achei interessante ela ter perdido o filho, geralmente em uma tragédia, as pessoas sempre tentam achar culpados, mas concordo com o que você disse, elas são vítimas. Culpado foi quem cometeu o crime. E é o primeiro livro que eu conheço que fala de uma mãe que quer desistir de buscar seu filho. Com certeza vai gerar polêmica!!! Sua resenha ficou ótima, não vejo a hora d eler.
    beijinhos.
    cila.
    http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br

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  20. Oi!
    Nossa, adoro quando os livros mechem tanto com a gente que nos transformam um pouquinho, nos fazendo transbordar de sentimentos.
    Realmente essa história não tem nada de sem graça, é um tema muito difícil pensar que o casal está procurando o filho perdido a 30 anos e ainda não perderam as esperanças. Quem é mãe deve ter um sentimento muito marcante ao ler esse livro também.
    Dica mais que anotada

    www.gordinhaassumida.com.br

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  21. Mesmo sendo um livro intenso e denso, com várias críticas sociais muito válidas e uma realidade que já vimos muito em jornais, não me senti tentada em ler a obra pois tem um tipo de angústia presente que não gosto muito de ler, mas imagino o quanto sofredora deve ser essa parte do desapego da mãe. Já a capa não me fez torcer muito o nariz pois as capas da editora Record não são la grandes coisas porem o conteúdo sempre vale a pena.

    Beijos
    Giovana - blog dei um jeito

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  22. Oi! Tudo bem?

    Não conhecia a obra e, assim como você, não leria a obra se fosse para julgar pela capa. A premissa me interessou bastante! Parece-me um livro com alto teor reflexivo. E acredito que seria uma leitura difícil para mim... Tenho uma tendência a me colocar no lugar das personagens e sei que sofreria muito com a história. Principalmente pelo que você citou da justiça ser ao mesmo tempo adequada e desfavorável dependendo da classe social da pessoa... Pior é saber que isso é real, não é mesmo?! E saber que o livro não tem um final de contos de fadas, faz eu ficar ainda mais curiosa e ansiosa pela leitura. Sei que é um livro que vai mexer muito comigo.

    Beijos,

    Juliana Garcez | Livros e Flores

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  23. Nossa!!!!!!!!! Eu costumo ler alguns livros de drama, mas esse eu não sei se conseguiria chegar ao fim por ele ser tão realista, pelo teu ponto de vista percebo que esse livro iria me destroçar. Trabalho com crianças, então acho que da para entender...
    Ótima resenha me senti emocionada só de ler.

    Beijos e até logo! ;)

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